O debate sobre a política fiscal no Brasil está cada vez mais acalorado, trazendo à tona preocupações sobre os possíveis impactos no crescimento econômico do país. Especialistas alertam que a tentativa de desmantelar os mecanismos que sustentam o investimento pode levar a um cenário de estagnação econômica e fragilidade fiscal.
Embora muitos temam que o descontrole fiscal resulte na perda da capacidade do Brasil em atrair investimentos, setores como o automotivo e combustíveis sustentáveis mostraram resiliência e até avanços, impulsionados por políticas públicas estratégicas. Investimentos robustos, como os da fabricante chinesa BYD e a GWM, ilustram a relevância de uma atuação coordenada do Estado em fomentar o setor produtivo.
A narrativa de que o país estaria prestes a sofrer uma queda no interesse por investimentos devido a oscilações nas metas fiscais e classificações de risco não se concretizou. Na prática, mesmo com altos juros e um discurso fiscalista predominante, diversos setores voltaram a registrar crescimento. Os investimentos vêm se recuperando, em grande parte, devido a políticas que orientam o capital e geram expectativas positivas no mercado.
A importância da política industrial não deve ser subestimada. Reconhecer a diferença entre gastos estratégicos e desperdícios é crucial. Enquanto bilhões são alocados em emendas sem critério, a capacidade do Estado em coordenar e planejar investimentos se vê prejudicada. O resultado é um ciclo vicioso que pode resultar em menos investimentos e, consequentemente, um crescimento econômico menor.
O setor automotivo, por exemplo, está vivendo uma transformação significativa. Com a volta de empresas globais para o Brasil, a empresa BYD anunciou um investimento de R$ 5,5 bilhões para modernizar a antiga instalação da Ford em Camaçari, convertendo-a em uma linha de produção de veículos elétricos. A GWM, por sua vez, destina R$ 4 bilhões a uma nova fábrica em Iracemápolis, parte de um total de R$ 10 bilhões esperados até 2032. Esses investimentos se devem, entre outros fatores, a um aumento na demanda e ao programa Mover, que oferece incentivos à inovação e descarbonização.
No setor de combustíveis sustentáveis para aviação (SAF), já foram anunciados mais de R$ 40 bilhões em projetos. Empresas como Acelen e Petrobras estão se articulando com órgãos como BNDES e o Ministério do Desenvolvimento para viabilizar esses investimentos. O caso da Acelen, que objetiva desenvolver uma cadeia produtiva de SAF a partir da soja e da macaúba, exemplifica como diretrizes claras podem alinhar interesses privados aos objetivos de desenvolvimento sustentável.
Portanto, a capacidade do Estado em promover o desenvolvimento é fundamental. O fortalecimento e a qualificação da ação pública devem ser prioridade nas discussões fiscais. Medidas que visem enfraquecer essa capacidade apenas levam a um caminho de pouca efetividade, já que a verdadeira irresponsabilidade seria desmontar os mecanismos atualmente responsáveis pelo investimento e, em seguida, questionar por que a economia não avança.
*Renato H. de Gaspi, cientista político, é pesquisador sênior para a América Latina no Net Zero Industrial Policy Lab da Johns Hopkins University, e Rosana Santos, engenheira, é diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética.