Um estudo recente realizado no Quênia revelou que a administração de ivermectina pode reduzir em 26% a transmissão de malária, apresentando novas esperanças para o combate à doença. A pesquisa foi publicada no respeitável The New England Journal of Medicine e faz parte do ensaio clínico BOHEMIA, considerado a maior investigação até o momento sobre o uso do fármaco como uma ferramenta auxiliar no controle da malária.
O projeto foi coordenado pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), em parceria com o Centro de Pesquisa em Saúde de Manhiça e o KEMRI-Wellcome Trust Research Programme, e contou com financiamento da Unitaid. Os resultados mostraram que, quando a ivermectina é combinada com o uso de mosquiteiros, consegue-se diminuir em 26% as novas infecções por malária.
A pesquisa envolveu 28.932 crianças de 5 a 15 anos no condado de Kwale, no Quênia, onde a carga de malária é alta. Durante três meses, as crianças receberam 400 microgramas de ivermectina por quilo de peso, uma vez por mês, totalizando mais de 56.000 tratamentos aplicados no início da temporada de chuvas, período em que a reprodução dos mosquitos aumenta drasticamente. Carlos Chaccour, coinvestigador principal do estudo, afirmou que se a administração ocorrer no início da reprodução dos mosquitos, é possível interromper a curva de transmissão.
Após o término do período de tratamento, as crianças que receberam ivermectina apresentaram uma significativa redução na incidência de malária em comparação àquelas que receberam albendazol, o medicamento de controle usado na pesquisa. Esse avanço é crucial, especialmente em um contexto em que entre 2000 e 2015 houve uma significativa queda na mortalidade por malária devido a medidas como mosquiteiros tratados com inseticidas e pulverização intradomiciliar. Contudo, os avanços estacionaram devido ao surgimento de resistência a produtos químicos e a diminuição de recursos disponíveis.
Segundo o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2023 foram registrados 263 milhões de novos casos de malária e 597.000 mortes pela doença, sendo 95% destas no continente africano. Chaccour destaca que uma estratégia que possibilite a eliminação de mosquitos independemente do momento ou local em que piquem pode ser uma solução inovadora. Embora a utilização da ivermectina não seja uma solução única, ela pode contribuir significativamente para a melhoria da saúde da comunidade.
A pesquisa também identificou benefícios adicionais do uso da ivermectina, além de seu emprego tradicional no tratamento de oncocercose e filariose linfática, incluindo a redução da sarna, tratamento de piolhos e outras parasitas intestinais. Regina Rabinovich, investigadora principal do estudo, afirma que a pesquisa pode transformar o futuro da prevenção da malária em regiões onde as ferramentas atuais estão perdendo eficácia.
No entanto, existem limitações. Chaccour observa que o estudo foi realizado apenas com crianças dentro de condições controladas, o que levanta questões sobre sua aplicabilidade em programas de saúde pública em larga escala. Existe a intenção de realizar um segundo estudo que comprove a eficácia da ivermectina, buscando uma recomendação da OMS para utilização como estratégia de saúde pública no controle da malária.
Além disso, a pesquisa original previa a realização de ensaios clínicos simultâneos no Quênia e em Moçambique, mas a implementação do estudo em Moçambique foi severamente afetada por um ciclone e um surto de cólera, resultando em dificuldades logísticas que prejudicaram a coleta de dados. Carlos Chaccour enfatiza que a prioridade atual é conosco esse segundo estudo que possa demonstrar a eficácia.
Chaccour conclui que, apesar de desafios financeiros que ameaçam os avanços na luta contra a malária, a pesquisa atual abre espaço para que países implementem suas próprias iniciativas de saúde e explorem novas ferramentas como a ivermectina. O pesquisador reafirma a necessidade de acelerar o desenvolvimento de evidências e soluções para as doenças que afetam comunidades vulneráveis, mencionando que a testagem de novas abordagens é essencial para um futuro mais saudável em regiões endêmicas.