A ONU classificou a atual crise de insegurança alimentar em Gaza como reminiscentes das trágicas fomes na Etiópia e Nigéria do século passado. Especialistas destacam a utilização da fome como arma de guerra, reforçada por um bloqueio severo, que resultou em um aumento alarmante da mortalidade por inanição no território.
No dia 30 de julho de 2025, a organização afirmou que a situação em Gaza se assemelha às crises que ocorreram em Biafra, na Nigéria, e na Etiópia, onde a fome foi empregada como uma estratégia bélica. Com o bloqueio imposto por Israel, as dificuldades para acesso a alimentos essenciais resultaram recentemente em 45 mortes por inanição. Apesar de algumas medidas de flexibilização do bloqueio, a ajuda humanitária permanece inadequada, levando instituições a expressar preocupações sobre a instrumentalização da fome em um contexto de conflito.
Segundo Ross Smith, diretor do Programa Mundial de Alimentos (PMA), as condições atuais em Gaza não têm paralelo nas crises do século XXI, relembrando os desastres anteriores em Biafra ou na Etiópia. O último relatório da Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar revelou que mais de 20% das famílias em Gaza estão desprovidas de alimentos, e a falta de recursos alimentares fez com que o território atingisse a fase 5 de catástrofe humanitária.
Desde março, quando um bloqueio total foi imposto após o término de um cessar-fogo, a situação alimentar em Gaza se deteriorou rapidamente. Apesar de uma leve flexibilização em maio, a distribuição de ajuda humanitária não atendeu as necessidades críticas da população. Conforme dados do PMA, cerca de 470 mil habitantes vivem à beira da fome, e um em cada três palestinos não tem acesso à comida em dias consecutivos.
Ainda que a ajuda tenha sido parcialmente liberada, com o envio de alimentos por via aérea e a distribuição de caminhões de suprimento, os relatos de palestinos indicam dificuldades para alcançar a assistência. Famílias têm enfrentado situações extremas, como destaca Ismail al-Aqraa, um chefe de família que descreveu ter que "nadar para buscar alimento para os filhos". O governo israelense, por sua vez, nega a escassez de alimentos e acusa o Hamas de manipular os dados sobre a fome.
Não obstante, a taxa de mortalidade em Gaza, embora não tenha alcançado os índices graves de fomes passadas, acende um alerta sobre a possibilidade de uma nova implementação da fome com fins políticos. Alex de Waal, do WFP, aponta que, ao longo da história, a ação humana tem sido predominante nas crises alimentares, resultando em falências de políticas que intensificaram a vulnerabilidade das populações.
A comparação com tragédias históricas, como o bloqueio em Biafra, onde a fome se tornou um instrumento de guerra, destaca a repetição de erros no tratamento de crises alimentares, levando a reflexões sobre as medidas tomadas para prevenir a fome como arma de guerra em contextos atuais. Essa conversa ainda ecoa as consequências das crises alimentares que emergiram de decisões políticas imprudentes ao longo da história.
O método de utilização da fome como arma foi reconhecido com a introdução de emendas nas Convenções de Genebra, prevendo proibições ao uso de bloqueios a suprimentos essenciais durante conflitos, um gargalo que continua a ser debatido e necessita de atenção internacional.
A fome etíope na década de 1980 exemplificou gravemente uma crise humanitária onde as políticas governamentais contribuíram diretamente para a catástrofe alimentar, um fato profundamente registrado na memória coletiva mundial. A exibição dos horrores da fome pela mídia mobilizou apoio e fez com que a comunidade internacional se posicionasse, mas a cobertura muitas vezes falha em endereçar as raízes políticas que causam tais crises.
Por fim, a análise de Waal sobre o colonialismo europeu reitera que a ineficácia dos poderosos em prevenir ou minimizar crises alimentares perpetua ciclos de desastres que se repetem. O uso da fome como arma de guerra permaneceu ao longo das eras, necessitando de uma abordagem histórica e política para enfrentar a crise atual em Gaza e outras regiões afetadas.