Os evangélicos no Brasil estão mudando a forma como se relacionam com a cultura local ao se envolverem em festas juninas, trazendo elementos antes vistos como proibidos para suas comemorações. Desde 2017, o tradicional São João de Campina Grande, na Paraíba, inclui apresentações de cantores gospel, sinalizando uma transformação significativa na austeridade da cultura protestante.
Embora o documentário "Apocalipse nos Trópicos", de Petra Costa, aborde uma perspectiva de conflito e crise entre os evangélicos, a realidade é que a verdadeira batalha está acontecendo nas festas juninas. Essas celebrações começaram a ser dominadas por artistas do gênero gospel, como Deive Leonardo e Fernanda Brum, refletindo uma nova aceitação na sociedade brasileira.
A tradição protestante sempre foi marcada por uma vida centrada na tríade casa, trabalho e igreja, onde eventos festivos eram minimizados. No entanto, a participação em shows e festas, mesmo que sejam gospel, tem trazido um novo significado e dimensão às reuniões sociais evangélicas. De acordo com alguns críticos, esse envolvimento é visto como um "mundanismo", enquanto outros defendem essa prática como uma missão para propagar a fé em todas as esferas da vida.
As emoções ambivalentes em relação às festas juninas revelam mudanças na poderosa influência evangélica no Brasil. Escolas evangélicas são exemplos de adaptações, com algumas realizando "festa caipira" e outras proibindo completamente as festividades juninas, temendo que mentes mais jovens sejam expostas à idolatria associada ao catolicismo. Essa resistência à festa junina não é apenas sobre a origem religiosa, mas sim uma luta interna para definir o que significa ser evangélico no Brasil contemporâneo.
A ideia de um "primeiro caminho" em que dançar e ir a festas são vistos como uma perda espiritual está sendo desafiada por novas abordagens, como o "arraiá gospel". Acompanhando essa mudança, muitos questionam se um evento voltado para louvores e celebrações religiosas pode ser aceito dentro do contexto evangélico.
Em meio a essas discussões, a pergunta permanece: algum dia os evangélicos se sentirão completamente integrados como brasileiros ou o Brasil adotará cada vez mais traços da cultura evangélica? O futuro dessa dinâmica cultural parece frutífero, trazendo à tona as tensões e as possibilidades de um diálogo mais amplo sobre identidade e comunhão dentro da sociedade brasileira.
*Valdinei Ferreira, doutor em sociologia pela USP, é criador do Mapa Centrante, iniciativa na área da saúde mental, e pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.