Desfile cívico e a distribuição de bonés
No desfile cívico do Sete de Setembro, o governo distribuiu bonés com o slogan Brasil Soberano a participantes das cerimônias, segundo apuração. A ação ocorreu em meio a uma série de informações sobre atuação de TH Jóias, deputado recentemente empossado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), que figura entre os investigados em operação da Polícia Federal ligada ao Comando Vermelho. O episódio reforça a complexa relação entre poder público, crime organizado e as consequências para a confiança pública.
TH Jóias, Alerj e a prisão associada ao Comando Vermelho
TH Jóias, que ocupava uma cadeira na Alerj até ser afastado, foi preso pela Polícia Federal sob acusações de ligação com o Comando Vermelho e de envolvimento no planejamento da candidatura de Gabriel Dias de Oliveira, conhecido como Índio do Lixão, ligado ao tráfico e à facção. O Índio do Lixão era apontado como chefe de atividades criminosas na Favela do Lixão, em Duque de Caxias; ele já tinha sido preso em 2015. Segundo a investigação, TH atuava como braço político da facção e, após deixar a cadeia, abrigou-se no Complexo do Alemão, na Zona Norte, chegando a se tornar próximo de Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, líder do Comando Vermelho na região.
Em mensagens interceptadas pela Polícia Federal, fica evidente a ambição da quadrilha de ampliar seu aparato político. Em uma troca de mensagens, Luiz Eduardo Cunha Gonçalves, o Dudu, ex-assessor de TH na Alerj, afirma ter conversado com o joalheiro e com Alessandro Pitombeira Carracena, outro integrante do chamado Núcleo Político da facção, sobre a possibilidade de o traficante concorrer a vereador em Duque de Caxias, reduto da organização. Na operação deflagrada recentemente, entre os 15 presos estavam Dudu e Carracena. A PF sustenta que Índio era o responsável pela compra e venda de drogas, armas, além de fornecer equipamentos para a derrubada de drones e pela contabilidade da facção.
Além de ter sido preso, TH perdeu a cadeira na Alerj, com o primeiro suplente reassumindo o mandato, e foi expulsado do MDB. Em tom de gratidão ao líder do CV, TH Jóias teria elogiado Pezão após convite para festa do traficante: “mano é diferenciado”. Como revelou o GLOBO, a investigação aponta TH como um dos chefes do CV e cambista dos traficantes, com registros de duas operações em que trocou R$ 9 milhões por dólares. Entre 2021 e 2023, ele e seus associados movimentaram R$ 13 milhões, mesmo tendo declarado não possuir bens à Justiça Eleitoral.
Tal fato configura não apenas uma imoralidade, mas um ato de lavagem de capitais e corrupção, onde o cargo público é utilizado como instrumento de remuneração indireta e mecanismo de blindagem institucional ao núcleo familiar de uma das lideranças da organização criminosa.
Além disso, o MPF relata que outro cargo na Alerj chegou a ser negociado, mas não se concretizou. O delegado federal Gustavo Stell, citado pela PF como alguém que fornecia informações sigilosas à facção, pediu uma vaga no parlamento, sem ser atendido. Em outra frente, houve desentendimentos com a compra de bazucas antip drones; após cobranças, a facção enviou uma foto de pacotes de notas para confirmar pagamentos. Houve também a alegação de que os equipamentos não estavam dando conta do número de drones sobre a favela; em resposta, teriam sido adquiridas novas antenas para melhorar as bazucas.
Procurado, o advogado de Sttell afirmou que seu cliente é inocente. Os demais citados não retornaram ou não foram localizados. A defesa de TH tem negado publicamente as acusações. O conjunto de ações descritas pela PF sustenta que há uma relação entre crime organizado e uso de cargos públicos para remunerar membros da organização, o que leva a uma discussão sobre os mecanismos de controle institucional e as condições de integridade no Legislativo.
Como noticiado pelo GLOBO, a investigação também aponta TH Jóias como figura-chave no funcionamento de duas frentes do crime organizado do Rio; a reportagem reforça a ideia de que TH atuava não apenas no tráfico, mas também na gestão de recursos por vias paralelas ao aparato político. A apuração cita que TH, antes de se eleger, já demonstrava a intenção de ocupar posição parlamentar para atender interesses da organização, o que coloca em xeque a integridade de atos no Legislativo fluminense.
Entre as implicações, o Ministério Público Federal destaca a necessidade de percepção pública sobre a relação entre crime organizado e política, bem como a importância de mecanismos de fiscalização. A defesa sustenta a acusação da PF como infundada, e o caso continua sob investigação. A sociedade observa ainda as repercussões políticas e institucionais, incluindo mudanças na condução de investigações envolvendo agentes públicos e a melhoria da transparência institucional. O episódio também reacende o debate sobre a atuação da Procuradoria da República e da PF no enfrentamento de redes criminosas que atuam na interseção entre crime e política pública, com impactos relevantes para a governança local e para a confiança dos cidadãos no sistema democrático.
Em síntese, a situação retratada aponta para um quadro complexo de cooptação de espaços institucionais por organizações criminosas, com desdobramentos para a segurança, a governança e a credibilidade das instituições. O caso ainda exige esclarecimentos adicionais e decisões judiciais que possam delimitar responsabilidades, bem como uma avaliação mais ampla de controles preventivos que protejam o funcionamento do Parlamento estadual e a integridade de seus membros.