Raquel Buj atua na interseção entre a arte, o design e a pesquisa de materiais, buscando libertar-se das amarras da arquitetura e da moda. Sua prática atravessa fronteiras disciplinares para transformar o corpo em espaço de experimentação, com uma abordagem que mescla técnicas artesanais e digitais a partir de materiais reciclados e de origem biológica.
Origens: arquitetura e a metamorfose da prática
Natural de Palência, na Espanha, Raquel Buj tem 46 anos e estudou Arquitetura na Escola Técnica Superior de Madrid. O apartamento em Huertas, onde mora, foi resultado de uma reforma realizada quando ela mantinha um estúdio com o arquiteto Pedro Colón.
“O projeto desta casa fizemos para uma amiga que agora vive em Berlim. Já na época, imaginei que vivesse aqui. Nunca pensei que acabaria sendo assim.”ri.
A habitação funde um apartamento com uma despensa, gerando um duplex, com uma escada que conecta os dois andares e, ao mesmo tempo, oferece armazenamento e espaço de trabalho. Esse ambiente ilustra o modo como a prática da artista se confunde com o espaço que a acolhe, funcionando como móveis-filtr o entre ambientes.
A virada criativa: da arquitetura à moda
Raquel Buj deixou a arquitetura para trás após concluir um mestrado que misturava as duas disciplinas. A mudança ocorreu porque, segundo ela, a formação anterior a sufocava pela prática excessivamente técnica da arquitetura e pelas limitações normativas. Procurava romper com esse teto para explorar uma escala mais humana — não apenas em termos de tamanho, mas no plano corporal: proximidad, intimidade e emoção — algo considerado difícil dentro da arquitetura tradicional.
“Por um lado, sentia que havia algo em mim que não estava desenvolvendo plenamente no plano mais experimental e artístico. Por outro, queria trabalhar em uma escala mais humana. Mas não de dimensão, e sim corporal: de proximidade, intimidade e emoção. E isso é algo que com a arquitetura é muito difícil.”
“Ao mesmo tempo, precisava ir em direção a uma maior liberdade, onde não sentisse um limite estabelecido; onde as coisas pudessem flutuar e eu pudesse me mover em lugares intermediários, inclusive também entre disciplinas.”
Foi nesse momento que surgiu o primeiro corset solto.
Materiais, técnicas e o corpo como suporte
A transição da arquitetura para a moda envolveu repensar materiais. As primeiras propostas da artista utilizavam recursos reciclados de isolamentos térmicos ou acústicos, lâminas decorativas de vidro e elementos iridescentes, explorando a ideia de moda como uma arquitetura de proximidade.
Com o tempo, Raquel Buj passou a incorporar biomateriais, alguns 100% orgânicos, como mexilhões, penas e flores, além de materiais desenvolvidos por ela própria com agar-agar e glicerina. Essas escolhas ampliaram o leque de possibilidades para suas criações, que combinam técnica artesanal, produção digital e impressão 3D.
Desse modo, criou peças como a capa usada por Cristina Pedroche na virada de Ano Novo, além de outras peças da coleção Ninhos, que investigavam como animais constroem suas próprias arquiteturas a partir de materiais orgânicos, resíduos plásticos e componentes sintéticos humanos. O desenvolvimento de materiais multitextura é acompanhado pela prática de mesclar técnicas manuais com técnicas digitais.
Do corpo à performance: segunda pele e vida útil
As peças com estrutura de segunda pele eram apresentadas, em geral, de modo performativo. Em algumas ocasiões, reagiam ao calor humano, revelando uma relação inusitada entre o corpo e o objeto. Dependendo da peça, os materiais continuavam com vida própria, o que tornava as obras por vezes inquietantes. Em alguns casos, eram biodegradáveis na sua totalidade; em outros, pareciam congelar a linha do tempo, podendo reativar-se com hidratação ou sofrer degradação posorgânica ao longo do tempo.
Perspectivas atuais: liberdade, limites e interdisciplinaridade
Embora no início a moda tenha oferecido maior liberdade criativa, a trajetória mostrou que também há limites nessa transição. A artista percebeu que precisava romper com o que chamava de “segundo corset” e avançar para uma prática mais artística, aberta às incertezas da pesquisa.
Raquel Buj: “Cheguei à conclusão de que gostava mais de como trabalham os artistas, porque o fazem a partir de uma pesquisa, com a liberdade de não saber aonde isso irá levá-los.”
Atualmente, Raquel investiga o desenvolvimento de biomateriais e se move de maneira híbrida entre disciplinas. Suas criações aparecem, conforme o projeto, como indumentária, objetos, instalações artísticas ou espacialidades para cenografias e performances, mantendo o foco na experimentação sem perder a sensibilidade humana.