O depoimento do empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como o Careca do INSS, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga fraudes bilionárias no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) promete esclarecer, segundo autoridades, o funcionamento de um suposto esquema de cobranças ilegais a aposentados e pensionistas. A oitiva, que acontece em meio a prisões e apreensões, marca a primeira oportunidade pública de Antunes se manifestar sobre as acusações que recaem sobre ele, incluindo atuação como operador de desvios de recursos e de lavagem de dinheiro. A CPI já vinha tentando traze-lo à frente, sem sucesso, e agora a audiência surge como ponto-chave para o escrutínio de autoridades.
Segundo o relato da PF, Antunes é apontado como uma figura central nesse conjunto de operações, ainda que nunca tenha ocupado cargo formal no INSS. A afirmação envolve a percepção de que ele atuaria como lobista, influenciando servidores do órgão e representando entidades investigadas. Além disso, a investigação aponta para uma possível teia de relações que envolveria diversas empresas, fortalecendo a suspeita de movimentações financeiras ilícitas. A defesa dele já sinalizou ao GLOBO que, em princípio, ele comparecerá ao depoimento, mantendo o direito ao silêncio previsto pela legislação em vigor.
O STF autorizou o direito ao silêncio de Antunes durante o andamento do depoimento, invocando o princípio constitucional nemo tenetur de detegere — ninguém é obrigado a se acusar — e assegurando assim salvaguardas fundamentais. A decisão, assinada pelo ministro André Mendonça, foi obtida pelo GLOBO e reforça o tratamento adequado aos direitos do investigado, mesmo em uma fase crucial de investigações. Ainda de acordo com a assessoria, Antunes deverá ter todos os seus direitos constitucionais resguardados, caso efetivamente compareça ao Senado.
Entre as perguntas previstas estão as ligações de Antunes com círculos políticos, sua influência financeira e a capacidade de intimidar pessoas envolvidas no esquema, elementos utilizados pela PF para justificar a prisão no âmbito da Operação Sem Desconto. Embora não tenha ocupado cargos no INSS, a PF sustenta que ele podia obter vantagens junto a servidores, atuando em nome de entidades sob investigação e, ao mesmo tempo, conduzindo operações de lavagem de dinheiro por meio de dezenas de empresas sob seu controle.
Rastro de evidências: veículos, viagens e transações sob investigação
Um documento sigiloso da Polícia Federal aponta para a apreensão de 11 veículos vinculados a Antunes, distribuídos entre quatro Porsches, quatro BMWs e três motocicletas. Além disso, outra planilha de análise traz 40 registros de entrada e saída do país, com 20 viagens internacionais entre 2023 e 2024, indicando um intenso fluxo de deslocamentos ao exterior. A confirmação dessas informações coube ao portal Metrópoles e ao GLOBO, que destacaram o conjunto de evidências relacionado ao suspeito.
Para justificar a necessidade de manter Antunes sob custódia, a PF apontou a compra de uma casa nos Estados Unidos e a possibilidade de viagens para o exterior em datas próximas à deflagração da Operação Sem Desconto. Os investigadores enxergam nesse movimento um indício de evasão de país, o que, na visão da força-tarefa, aumenta o risco de fuga. A defesa, por sua vez, afirmou que só se manifestará nos autos, sem adiantar posicionamentos públicos enquanto o processo corre.
Conforme apurado no inquérito, pessoas físicas e jurídicas ligadas ao Careca do INSS teriam recebido ao todo cerca de R$ 25,5 milhões, envolvendo associações e intermediários ligados ao que é descrito como o suposto esquema. Entre as operações identificadas, há uma transação de R$ 100 mil direcionada a um secretário municipal de uma cidade do interior do Maranhão. Além disso, o empresário teria remetido R$ 9,3 milhões para pessoas vinculadas a servidores do INSS em um intervalo entre 2023 e 2024, o que reforça a linha de investigação sobre fluxos financeiros atípicos envolvendo o órgão.
Outro ponto de interesse das autoridades é uma empresa offshore registrada em nome do próprio Antunes, localizada nas Ilhas Virgens Britânicas — paraíso fiscal conhecido e citado em várias apurações. A coincidência temporal entre a abertura da offshore, a existência do esquema descrito pela PF e as remessas de alto valor levou os investigadores a concluir que tais operações poderiam ter como objetivo ocultar a origem ilícita dos recursos. A PF enfatiza que o uso da offshore, aliado a transações significativas, sustenta a suspeita de movimentações de dinheiro realizadas de forma irregular.
O que a CPI espera questionar e quais as implicações para o INSS
Durante o depoimento, os parlamentares pretendem aprofundar questões sobre a influência de Antunes na rede institucional, incluindo possíveis vínculos com entidades investigadas e com servidores do INSS, bem como a plausibilidade de vantagens obtidas por meio dessas relações. Embora a investigação tenha começado pela prisão dele no âmbito da Operação Sem Desconto, o objetivo da oitiva é compreender o alcance de suas ações, o papel de terceiros envolvidos e as possíveis implicações para o funcionamento do INSS e para a integridade administrativa do órgão.
Além disso, há a expectativa de que o depoimento traga luz sobre o fluxo financeiro descrito no inquérito, incluindo as remessas milionárias, as transações de alto valor e as operações envolvendo a offshore. A CPI busca entender quem, dentro do ecossistema de Antunes, poderia ter se beneficiado com tais atividades e como a estrutura de cobranças ilegais operava na prática.
O caso levanta questões cruciais sobre governança e controle interno no INSS, bem como sobre a eficácia de mecanismos de fiscalização que deveriam coibir abusos e desvios de recursos públicos. A defesa de Antunes afirma que coopera com a Justiça e que pretende contribuir com o andamento das apurações, mantendo o direito de permanecer em silêncio quando cabível. Como reflexo, a oitiva é vista como teste central para avaliar o alcance do esquema, a natureza das transações e a eventual responsabilização de terceiros envolvidos.
Caso haja desfecho na CPI, as consequências para o INSS podem incluir revisões de procedimentos, maior escrutínio de operações de cobertura financeira, e o fortalecimento de mecanismos de monitoramento de atividades de pessoas que atuam como intermediários entre entidades investigadas e o órgão. A pauta da comissão, com foco em accountability e integridade pública, pode impactar debates sobre transparência, fiscalização e a necessidade de medidas preventivas para evitar reincidência de fraudes desse tipo no futuro.