Serrana Auliso, uma mulher de 96 anos, é a última testemunha viva da icônica fuga dos guerreiros tupamaros que ocorreu em 6 de setembro de 1971, no notório penal de Punta Carretas, em Montevideo. Na manhã do evento, Auliso se lembra de como, aos gritos, alertou a todos sobre a fuga quando seis mulheres correram até o muro da prisão, exclamando: "Se escaparam os tupamaros!". Inicialmente ridicularizadas pelos guardas da prisão, essas mulheres estavam prestes a testemunhar um dos mais audaciosos planos de fuga da história do Uruguai.
Por trás da casa de Auliso, um túnel havia sido escavado durante um mês, permitindo que 106 tupamaros escapassem do local. Entre eles, estava o famoso José Pepe Mujica, que faleceu recentemente aos 89 anos. Hoje, Serrana compartilha, com lucidez, os detalhes sobre a escavação que fez da sua sala de estar, o ponto final do túnel que levava à liberdade.
"Sou a última sobrevivente do último trecho do túnel", diz Auliso enquanto mostra aos repórteres a marca no chão, onde nove ladrilhos mais escuros sinalizam a saída do túnel. A sala da sua casa permanece quase inalterada desde aquele dia, com os mesmos móveis que foram rearranjados pelos fugitivos em sua missão desesperada pela liberdade.
A mulher recorda como foi surpreendida por uma situação tensa, quando ela e sua mãe foram mantidas em uma sala por homens armados, enquanto os tupamaros planejavam sua fuga, que incluía ações para distrair a polícia, como a queima de carros nas proximidades e a música alta em um salão de igreja. "Meu lar era o caminho mais reto para a fuga dos que buscavam a liberdade", destaca Auliso.
Com sua visão afiada, Auliso revela que a equipe que coordenava a fuga a mantinha informada, contando sobre cada prisioneiro que escapava, até que finalmente foram informados para sair rapidamente e avisar a polícia, que se mostrava alheia ao que estava acontecendo.
O evento não apenas provocou o afastamento do diretor do penal, mas também se tornou uma lembrança marcante nos anais da história uruguaia. A luta dos tupamaros por liberdade e a importância do incidente permanecem vivas na memória coletiva.
Auliso, que passou os anos cuidando de seus pais e trabalhando como secretária, acabou revendo o neurologista Henry Engler, com quem tinha um passado misterioso ligado à fuga. Após anos, ela se reconectou com ele e, em uma reunião repleta de emoção, encontrou-se com Mujica, que reconheceu a importância da situação que Auliso viveu.
A figura histórica de Pepe Mujica sempre acompanhou Auliso, que permaneceu fiel ao partido esquerdista Frente Amplio, mesmo após as tumultuadas experiências da década de 1970. "O que aconteceu naquela fuga foi mais do que um simples evento; foi um símbolo do quão vale a luta pela liberdade", conclui, lembrando que, mesmo com o tempo passado, o eco daquela audaciosa ação ainda ressoa em sua vida e na história do país.
Hoje, em frente ao que antes foi a prisão, um shopping moderno ocupa o espaço, mas o velho muro permanece, marcando o lugar onde um grupo de homens ousou desafiá-lo e, ao fazê-lo, enviou uma mensagem clara: "Estamos aqui e, se quisermos, podemos".