Cientistas políticos analisam a frustração da geração que cresceu na redemocratização do Brasil. Reprodução: Globo
A estagnação na mobilidade social no Brasil, conforme apontado pelo Atlas de Mobilidade Social, tem causado um aumento significativo no descontentamento da população, especialmente entre aqueles que cresceram durante a redemocratização. Afinal, a escassez de perspectivas de ascensão social está levando muitos a voltar seu olhar para o passado, em busca de soluções rápidas e ideais que possam ser alcançados com simplicidade.
Os cientistas políticos explicam que a desesperança manifesta nas novas gerações, particularmente naquelas nascidas na década de 1980, está fortalecendo o sentimento antipolítico. A incapacidade de ver melhorias concretas em suas vidas tem gerado um apelo à idealização de tempos passados, o que pode facilitar a aceitação de discursos populistas que prometem recuperar a prosperidade em pouco tempo.
Carlos Melo, professor do Insper, afirma que a influência das transformações tecnológicas, como a inteligência artificial, tem contribuído para uma maior volatilidade no mundo atual, levando à desilusão entre os jovens. Ele destaca: "Essa falta de perspectiva gera uma frustração. Política se faz com futuro, com sonhos. Quando só se tem a dureza da realidade, a certeza de que não vai melhorar, acende a nostalgia por tempos mais favoráveis, mesmo que estes tenham ocorrido sob circunstâncias difíceis como a ditadura."
Melo também menciona o conceito de "Retrotopia", introduzido pelo sociólogo Zygmunt Bauman, que sugere que a utopia está se deslocando para o passado, em vez de ser projetada para o futuro. "No passado, meu pai teve desempenho melhor que meu avô. Era bom, ainda que no Brasil de ditadura. A política não consegue dar respostas rápidas", analisa o professor.
Camila Rocha, diretora do Centro para Imaginação Crítica no Cebrap, observa que o crescimento do sentimento antipolítico está atrelado ao fracasso do campo progressista e democrático em responder às demandas da população. Em contrapartida, a extrema-direita demonstrou uma mobilização maior, apresentando pautas que parecem proporcionar mais perspectivas de mudança. Ela afirma: "Em geral, há uma percepção de estagnação, relacionada ao crescente interesse em formas alternativas de geração de renda, como Bitcoin e o mercado financeiro, que dialogam com as mensagens políticas da direita."
Melo também destaca a relevância desse fenômeno no contexto global, referenciando o trabalho do cientista político Sérgio Abranches, que descreve a situação atual como "A Era do Imprevisto". Este termo se refere à transição difícil entre o antigo e o novo, em que "o velho agoniza e o novo não nasceu". Ele acrescenta: "Estamos vendo autocracias surgindo em diversos lugares, como Turquia e Hungria, e o Brasil pode ter seu espaço nessa linha de riscos, com tentativas já registradas de golpe."
O panorama atual revela não apenas um descontentamento crescente, mas também uma necessidade urgente de repensar as abordagens políticas no Brasil. Com as gerações mais jovens se mostrando cada vez mais céticas em relação às soluções tradicionais, a política terá que se adaptar a essas novas realidades e expectativas para reverter o ciclo de desencanto e desengajamento da população.