Vincenzo Latronico apresenta seu novo livro 'As Perfeições' no tapete vermelho. Reprodução: Globo
O romance "As Perfeições" do autor italiano Vincenzo Latronico explora a busca dos millennials por autenticidade e o vazio existencial na era digital. Com a trama situada em Berlim, a história segue um casal de jovens nômades vivendo a ilusão de uma vida perfeita nas redes sociais. O livro, que foi finalista do Booker Prize, critica a estética padronizada que surge dessa incessante procura por singularidade, refletindo sobre uma geração que vive intensamente conectada.
Anna e Tom, protagonistas da narrativa, são um casal de italianos que se mudaram para Berlim atrás de um ideal hipster. Criativos e desprendidos, eles transitam apenas por ambientes que supostamente refletem seu estilo de vida cosmopolita e desejável, mas, longe das imagens cuidadas e do glamour das redes sociais, enfrentam um vazio existencial decorrente de uma rotina superficial. O livro acaba de ser lançado no Brasil pela editora Todavia, chamando a atenção pela crítica incisiva sobre a realidade dos millennials, que nasceram entre 1981 e 1996.
Durante uma entrevista por videoconferência, Latronico comentou: "O que me interessava muito ao contar essa história era tentar capturar a forma como o tempo funciona quando você vive muito online. Quando se rola uma foto depois da outra, tem-se a impressão de que não há uma história, de que as imagens não constroem uma narrativa. Você está sempre no presente, preso naquele instante".
O autor enfatiza que o presente dos personagens deve ser entendido como uma sucessão de naturezas-mortas, onde nada realmente acontece. Ele argui que, fora da bolha de seus recém-nascidos estilos de vida digitais, o mundo real não para: "Tom e Anna estão envelhecendo. A cidade está mais cara. A crise migratória se aproxima, cada vez mais difícil de ignorar". Essa discrepância entre a realidade e a fantasia virtual é o foco central do conflito que permeia a obra.
Nascido em 1984, Latronico possui uma ligação pessoal com as experiências vividas por seus personagens. Crescendo em um mundo cada vez mais globalizado, ele também se deixou levar pela ideia de que era possível conciliar trabalho e prazer, inspirando-se no mantra millennial de "faça o que você ama". Rememorando sua própria estadia em Berlim, o autor ressalta que, após a unificação da cidade, ela se tornou um espaço tangível para artistas e indivíduos criativos, onde se podia desenvolver uma carreira sem a necessidade de um emprego fixo.
A narrativa de Tom e Anna nos apresenta uma nova geração que, embora não seja composta por artistas desempregados, se identifica como freelancers em meio à gentrificação de Berlim. Conscientes das mudanças que eles próprios ajudam a provocar, o casal luta por espaços mais autênticos, embora sua busca frequentemente resulte em um simulacro do que consideram singularidade.
Latronico encontra um paralelismo entre sua obra e "As coisas" de Georges Perec, onde um casal busca liberdade através do consumismo. No entanto, em "As Perfeições", a busca está centrada na criação de um estilo de vida que parece autêntico e não mediado pela estética de mercado. "Faz tempo que me pergunto por que nossa geração é tão obcecada por autenticidade" - reflete o autor, e aponta que a dificuldade de se conectar com esse ideal é uma batalha comum entre os millennials que cresceram em um contexto analógico e se tornaram adultos em um mundo digital.
A ironia dessa busca pela autenticidade, segundo Latronico, reside no fato de que, ao tentar obter experiências únicas, as pessoas acabam seguindo padrões semelhantes. "Se você pensar nos anos 90, quando começamos a falar sobre globalização, isso significava que um escritório corporativo em algum lugar dos EUA decidia que todo McDonald’s seria igual no mundo todo. Mas agora há um fenômeno distinto, onde aqueles mesmos cafés que vendem a ideia de ser únicos e especiais, de fato, se parecem em diversos lugares do mundo, demonstrando que a superficialidade se infiltrou até mesmo na busca pela autenticidade."