A Polícia Federal (PF) assumiu a fiscalização dos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), anteriormente sob responsabilidade do Exército, como parte de uma mudança proposta pelo governo Lula para fortalecer o controle sobre o registro de armas. A transição foi antecipada após a PF receber R$ 20 milhões para estruturar delegacias especializadas, e um novo painel estatístico será lançado para monitorar o setor.
A PF assumiu oficialmente nesta terça-feira a responsabilidade pela fiscalização dos CACs. Até a data, a competência cabia ao Exército. A transferência de prerrogativas ocorre de forma escalonada e atende a um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou a mudança há dois anos. Tal medida é parte da promessa de campanha do petista de aumentar o controle sobre o armamento da população civil, em contraste com a política de flexibilização de Jair Bolsonaro (PL).
No fim do ano passado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, solicitaram mais recursos ao Ministério da Gestão e Inovação (MGI). O adiamento inicial da mudança foi necessário para que a fiscalização fosse realizada com excelência. Entre as atribuições que agora serão desempenhadas pela PF estão o registro de pessoas físicas e jurídicas para o exercício das atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça excepcional; autorização para compra e transferência de armas; e fiscalização das atividades exercidas por CACs.
Em maio, o Ministério da Justiça anunciou o repasse de R$ 20 milhões à PF para as novas atribuições; valor considerado suficiente pela administração de Andrei Rodrigues para este primeiro momento. Com isso, a corporação estruturou delegacias de Controle de Armas nas superintendências dos 26 Estados e do Distrito Federal, além de 96 núcleos especializados em delegacias do interior. Essas unidades responderão à Coordenação Geral de Controle de Armas, um novo setor que deve ser criado com sede em Brasília.
Embora o efetivo da PF seja significativamente menor que o anterior do Exército, de cerca de 2.000 homens, o governo aposta na capilaridade da PF para reforçar o rigor na fiscalização. Atualmente, a corporação já gerencia o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), responsável pelas permissões de armas e munições para a defesa pessoal e vigilantes privados. Os dados dos CACs, regulados anteriormente pelo Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), serão migrados para o Sinarm, enquanto o Sigma permanece sob responsabilidade do Exército.
Especialistas consideram a transferência de competências positiva, apontando que a PF é mais rígida na concessão de licenças. Bruno Langeani, consultor Sênior do Instituto Sou da Paz, destacou que a checagem de documentação pela PF costuma apresentar mais qualidade e rapidez. David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, enfatizou a importância da criação de um banco nacional de dados sobre o armamento civil.
Atualmente, 1,5 milhão de armas estão registradas sob responsabilidade de colecionadores, atiradores e caçadores. Esse número aumentou exponencialmente durante o governo Bolsonaro, que facilitou o acesso às armas. O governo Lula, por sua vez, já começou a revogar algumas regras estabelecidas anteriormente. Com a transferência, a PF planeja realizar uma auditoria rigorosa nos registros e investigar desvios de armas para o crime organizado.
De acordo com o delegado Fabricio Kerber, a PF terá a prerrogativa de vistoriar o arsenal dos CACs in loco e poderá cancelar registros em casos de recusa à fiscalização. A corporação também utiliza tecnologia para facilitar a triagem e cruzar informações sobre antecedentes criminais. Uma nova ferramenta estatística será lançada, compilando dados sobre o registro e a circulação de armas, apontando assim as irregularidades mais frequentes.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou fragilidades na fiscalização do Exército, como a concessão de certificados a indivíduos com antecedentes criminais. Informação que foi corroborada pela atuação da PF, que prendeu 63 CACs com mandados de prisão em aberto entre janeiro e julho deste ano. Para o futuro, a PF se compromete a digitalizar todo o processo de registro dos CACs, que poderia levar até seis meses; a intenção agora é otimizar este tempo para apenas onze dias.