A condenação do humorista Léo Lins a oito anos de prisão por vídeos discriminatórios no YouTube levanta importantes questões sobre a responsabilidade das plataformas digitais na promoção de discursos de ódio. Enquanto Lins enfrenta a Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF) revisa as regras do Marco Civil da Internet, buscando responsabilizar as plataformas que lucram com conteúdos ilícitos. A discussão enfatiza que o foco não deve residir apenas no conteúdo em si, mas sim no ecossistema que o impulsiona e monetiza.
A condenação gerou reações diversas: enquanto muitos celebraram o desfecho, outros defendem o comediante em nome da liberdade de expressão. Desde o início de junho, Léo Lins tem enfrentado a possibilidade de prisão, embora as plataformas digitais continuem a lucrar com a disseminação de discursos de ódio, preconceito e racismo, transformando essa miséria moral em capital publicitário.
A decisão da Justiça pesou sobre Lins devido à veiculação de vídeos nos quais ele foi acusado de incitar a discriminação com base em deficiência, idade, origem étnica, e outras características. Além da pena de prisão, o humorista foi multado em mais de R$ 300 mil. Entretanto, surge uma pergunta fundamental: como o YouTube permitiu a continuidade da divulgação desses vídeos, que despertam repulsa massiva, lucrando com eles?
Com a condenação de Léo Lins, o STF ressaltou que a responsabilização da plataforma é crucial, iniciando uma nova interpretação nas regras do Marco Civil da Internet sobre a responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos publicados por seus usuários. Recentemente, a Corte concluiu que é insuficiente exigir ordem judicial para responsabilização civil, considerando a proteção necessária aos direitos fundamentais.
O combate ao racismo e à discriminação é uma tarefa complexa, que exige responsabilização, mas que nem sempre deve ser penal. Muitas vezes, a intervenção não é necessariamente criminal. É preciso agir de forma mais abrangente, enfrentando as arbitrariedades das plataformas digitais que se comportam como editoras, quando é conveniente, e como meros hospedeiros inocentes quando se utilizam da violência simbólica disfarçada como entretenimento.
A decisão do STF representa um marco importante ao permitir que as plataformas possam ser responsabilizadas mesmo na ausência de uma ordem judicial, especialmente em casos de falha sistêmica ou quando lucram com conteúdos ilícitos, quebrando assim a ilusão de neutralidade algorítmica.
O verdadeiro foco dessa problemática não reside apenas no conteúdo em si, mas no ecossistema que o financia e o replica em larga escala. Construir uma sociedade mais democrática e antirracista implica em confrontar o poder das plataformas, bem como a lógica perversa de seus algoritmos, que priorizam os lucros. Ignorar essa realidade ao punir apenas um comediante, enquanto se preserva a estrutura que alimenta o discurso de ódio, representa apenas uma tentativa de silenciar o bobo da corte enquanto o circo permanece em funcionamento, pronto para servir ao próximo espetáculo grotesco com ingressos esgotados e patrocínios assegurados.
*Fernando Hideo Lacerda, advogado, é professor de Direito Penal e doutor em Direito pela PUC-SP.