Um novo estudo indica que vírus respiratórios, como a gripe e o SARS-CoV-2, podem reativar células cancerosas adormecidas, contribuindo para o desenvolvimento de metástases. Essa descoberta, publicada na revista Nature, foi realizada por pesquisadores dos Estados Unidos e do Reino Unido, que analisaram dados de dezenas de milhares de casos de câncer.
O câncer de mama, que é o tumor mais comum entre as mulheres e uma das principais causas de morte, enfrenta desafios significativos. Não se trata apenas de erradicar o tumor primário, mas sim de prevenir o retorno das células malignas em outros órgãos, um fenômeno conhecido como metástase. Os pesquisadores descobriram que a gripe não somente ativou as células do câncer nas mamárias de ratos infectados, mas também levou a uma explosão de novos tumores nos pulmões.
A imunóloga Mercedes Rincón, que realiza estudos na Universidade de Colorado, documentou esses fenômenos em experimentos anteriores. Em investigações recentes, sua equipe também observou que a infecção por SARS-CoV-2 tem um efeito semelhante, provocando a multiplicação de células tumorais adormecidas. Para avaliar os impactos em humanos, foram examinados dados de quase 5.000 pacientes oncológicos no Biobanco do Reino Unido, revelando que aqueles infectados pelo coronavírus apresentaram o dobro do risco de morte em comparação aos não infectados. Além disso, outro estudo com 37.000 pacientes de câncer de mama constatou que a infecção por coronavírus aumentou o risco de metástases pulmonares em 50%.
Rincón tem se dedicado nos últimos 30 anos a entender como a interleucina 6, uma molécula que induz a inflamação, pode reativar essas células cancerosas. Em estudos com modelos animais, a inibição da interleucina 6 demonstrou impedir a metástase pulmonar. Com a aprovação de diversos fármacos que bloqueiam essa interleucina, os pesquisadores agora têm um caminho a seguir: testar esses medicamentos em ensaios clínicos focados na ativação das células tumorais devido a infecções respiratórias.
Javier De Castro, vice-presidente da Sociedade Espanhola de Oncologia Médica, destaca a relevância deste estudo, especialmente à luz do recente aumento de mortes por câncer durante a pandemia, atribuídas ao sistema imunológico enfraquecido e ao atraso na assistência médica. O artigo fornece uma nova perspectiva sobre como infecções podem ativar células dormantes no câncer.
As implicações dos resultados vão além do câncer de mama, pois podem se aplicar a outros tipos de câncer que enfrentam comportamento metastático semelhante. O biólogo molecular José María Adrover sugere que mecanismos análogos podem atuar em diversas neoplasias que se espalham para diferentes órgãos, desafiando a visão tradicional sobre a metástase como um evento tardio. Essa nova pesquisa evidencia que células cancerosas podem ser disseminadas precocemente, permanecendo adormecidas até que sejam ativadas por fatores externos, como infecções respiratórias.
Considerando que estudos anteriores já indicaram que a gripe pode promover tumores primários, essas novas descobertas ressaltam a importância de monitorar pacientes em remissão de câncer durante surtos sazonais de infecções respiratórias, com vistas a detectar reativações tumorais. Brooke Dresden e John Alcorn, imunólogos do Hospital Infantil de Pittsburgh, reforçam essa necessidade em uma opinião publicada junto ao estudo.
A pesquisa não apenas explora os mecanismos subjacentes da metástase relacionada a infecções, mas também abre portas para novas abordagens terapêuticas, como o uso de vacinas ou anti-inflamatórios que possam prevenir a ativação de células tumorais em sobreviventes de câncer.
Com mais de 30 anos de carreira, Rincón reflete sobre seu futuro profissional nos Estados Unidos, considerando as mudanças nas políticas de imigração que afetam sua situação com a green card. Apesar das incertezas, o foco de sua pesquisa continua voltado para o papel da interleucina 6 e suas implicações na saúde pública.