Resistência Antimicrobiana: Uma Ameaça Oculta
A resistência antimicrobiana (RAM) é reconhecida como uma "pandemia silenciosa" e uma das dez ameaças globais mais urgentes à saúde no século XXI. Com cerca de 4,95 milhões de mortes associadas apenas em 2019, a RAM supera o número de óbitos por HIV/aids e malária combinados.
Diferentemente da Covid-19 e outras emergências de saúde, a RAM age de forma insidiosa, corroendo a eficácia clínica e pressionando os sistemas de saúde de forma crônica. Essa situação expõe os sistemas de saúde a um desafio significativo em termos de resiliência, uma vez que os recursos são drenados e as funções essenciais são enfraquecidas.
Impactos e Desafios da Antimicrobiana
A resistência antimicrobiana está intrinsecamente ligada à transmissão de doenças zoonóticas e aos impactos ecológicos decorrentes do uso impróprio de antimicrobianos. Seu impacto se estende a diversas condições de saúde, aumentando a carga de doenças crônicas e gerando uma pressão crescente sobre a prestação de cuidados. Isso compromete a confiabilidade das intervenções médicas e a funcionalidade dos serviços de saúde.
Além disso, o desenvolvimento de novos antibióticos e alternativas terapêuticas é um processo complexo, especialmente em países com baixa e média renda, como o Brasil, que enfrentam grandes disparidades regionais e vulnerabilidades históricas.
Reformulação da Resiliência em Saúde
Para enfrentar a RAM, é essencial repensar como avaliamos a resiliência dos sistemas de saúde. Essa resiliência deve ser capaz de se adaptar continuamente, mantendo funções essenciais de saúde pública sob pressões cumulativas. A ideia de resiliência não deve ser confundida com a mera capacidade de recuperar-se após crises, mas deve incluir a habilidade de transformar sistemas a partir das experiências vividas.
Os profissionais de saúde enfrentam incertezas diagnósticas e casos cada vez mais graves, necessitando de ajustes informais guidados pela experiência prática. As adaptações que surgem desse contexto devem ser utilizadas como base para transformações positivas nos cuidados de saúde.
Perspectivas Futuras
Ressalta-se que a resiliência não é isenta de implicações políticas. Ela é permeada por histórias de austeridade e desigualdade estrutural, refletindo a trajetória da própria resistência antimicrobiana. À medida que a pandemia silenciosa avança, as pessoas continuarão a buscar atendimento mesmo quando infecções se tornarem mais difíceis de tratar.
As unidades de saúde enfrentarão pressão crescente por internações prolongadas e aumento das taxas de mortalidade, elevando custos e comprometendo a confiança na atenção prestada. Portanto, a propagação da RAM impõe um novo olhar sobre a resiliência, que deve ser proativa e atenta às realidades concretas da saúde pública e as dinâmicas sociais que a envolvem.
Alessandro Jatobá é pesquisador e coordenador adjunto do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Anne-Sophie Jung é pesquisadora da Universidade de Leeds, e Victoria Haldane é pesquisadora da Universidade de Toronto.