A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) aprovou na quarta-feira (20) em primeira votação um polêmico projeto de lei que proíbe procedimentos de transição de gênero, como hormonioterapia e cirurgias, em indivíduos com menos de 18 anos. Autorizado pelo deputado estadual Gilberto Cattani (PL), a proposta foi aprovada com apenas duas abstenções e precisa passar por uma segunda votação antes de ser sancionada pelo governador Mauro Mendes (União).
O texto pauta que os procedimentos médicos relacionados à mudança de sexo só poderão ser realizados por maiores de idade. De acordo com a proposta, o descumprimento da norma caracterizará ato ilícito, submetendo responsáveis, profissionais e instituições a sanções previstas em lei.
No argumento para o projeto, Cattani expressa que a intenção é "assegurar que crianças, adolescentes e demais pessoas civilmente incapazes não sejam afetadas por paixões político-ideológicas". Ele complementa afirmando que a proposta reflete o pensamento da "massiva maioria cristã da população brasileira", que não aceita a interferência da "ideologia de gênero".
A proposta menciona o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), alegando que este garante o direito à proteção à vida e à saúde, através da efetivação de políticas sociais públicas. O texto também alude à Resolução nº 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que proíbe cirurgias de redesignação sexual em menores de 18 anos, mas permite a hormonioterapia cruzada a partir dos 16 anos e o uso de bloqueadores hormonais a partir do estágio puberal Tanner II em caráter experimental.
Entretanto, uma nova resolução do CFM, publicada em 2025, tornou as diretrizes para atendimento de crianças e adolescentes trans ainda mais restritivas, proibindo práticas anteriormente permitidas. Esta norma está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) promovida pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e pelo Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat).
Especialistas alertam para inconstitucionalidades
A advogada e assessora da Defensoria Pública de Mato Grosso, Daniella Veyga, declarou ao g1 que o estado não possui competência legal para legislar sobre o tema. A Constituição Federal reserva à União a atribuição de legislar em questões de saúde pública, práticas médicas e direitos fundamentais, como o direito à identidade de gênero. "O projeto pode ferir princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a não discriminação, a autonomia individual e a proteção integral da criança e do adolescente", comenta Daniella.
No texto aprovado na Câmara de Cuiabá em julho, ela já havia expressado os mesmos alertas. "A lei, se sancionada, pode representar uma forma de discriminação institucionalizada, contrariando princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), como a universalidade, equidade e integralidade no acesso aos serviços de saúde", finaliza.
Caso o texto seja aprovado em segunda votação, é provável que a proposta enfrente judicialização, dado que o assunto é de competência da União, podendo ser contestado através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Ação Civil Pública.