Um marco na medicina foi alcançado quando um homem de 39 anos, em morte cerebral, se tornou a primeira pessoa do mundo a receber um transplante de pulmão de um animal, especificamente de um porco modificado geneticamente. A operação, realizada por cientistas da Universidade Médica de Cantão, China, demonstrou que o pulmão funcionou por nove dias, prazo que foi encerrado após a família do paciente solicitar a finalização do experimento.
A empresa Clonorgan Biotechnology, conhecida por sua ambição de ser “a fábrica de órgãos do futuro”, foi responsável por humanizar o pulmão de porco. Essa modificação genética foi implementada para evitar o rejeição, um desafio histórico nos xenotransplantes (transplantes entre espécies) de órgãos. Durante o procedimento ocorrido em 15 de maio de 2024, os cientistas usaram a técnica CRISPR para modificar um porco da raça Bama Xiang e controlar a introdução e silenciamento de genes humanos e suínos.
Os desafios enfrentados por esse tipo de transplante não são novos. A história dos xenotransplantes data de mais de um século, com tentativas de transplantes de rins de porcos e macacos que acabaram sem sucesso. Porém, com a chegada da técnica CRISPR em 2012, a situação começou a mudar, possibilitando alterações genéticas mais precisas e efetivas. O primeiro humano a sobreviver com um coração de porco foi David Bennett, em 2022, embora tenha falecido dois meses depois por complicações.
Na operação mais recente, o cirurgião Xin Xu ressaltou a importância dos resultados, afirmando que apesar de serem promissores, muitos obstáculos ainda precisam ser superados antes de considerar a aplicação rotineira desse tipo de transplante. A equipe planeja realizar mais experiências em pacientes com morte cerebral e aprofundar o estudo sobre problemas de rejeição imunológica.
O uso de pulmões de porcos em transplantes é particularmente complexo, uma vez que este órgão é constantemente exposto a patógenos e deve funcionar adequadamente. Casos anteriores de tentativas falhas, como o de um cirurgião indiano em 1997 que implantou corações e pulmões de porcos, levantaram ceticismo e resultaram em complicações legais.
A despeito dos desafios, especialistas como o cirurgião espanhola Pablo Ramírez, reconhecem as implicações significativas deste estudo. O quadro atual de receptores de transplante de pulmão é preocupante, com cerca de 800 pessoas esperando por um transplante na Espanha, muitas delas lidando com doenças pulmonares crônicas. Novoa e Romero, cirurgiãs torácicas no Hospital Universitário Puerta de Hierro, sublinham a importância de tais avanços, especialmente diante da escassez de órgãos para transplante e as dificuldades relacionadas ao tratamento e rejeição após cirurgias tradicionais.
Embora ainda esteja distante de uma solução imediata, esse transplante de pulmão de porco representa um passo significativo no caminho para uma futura utilização de órgãos animais na medicina humana. Existe esperança de que os dados obtidos na operação mais recente iluminem o caminho para futuras práticas e experimentações na área de transplantes.