Em meio a um cenário de tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, o Brasil vê seu papel cada vez mais definido pela relação com a China, que hoje é o principal parceiro comercial do país. O governo do presidente Lula indicou que o Brasil está tranquilo por ter a China como referência, enquanto as negociações com Washington permanecem sem avanço significativo, alimentando um debate sobre a dependência brasileira de um eixo externo e a necessidade de diversificar parcerias.
O contexto é complexo: além de a China manter conversações de alto nível com os Estados Unidos, a guerra tarifária entre as duas potências permanece suspensa por ora. Esse cenário gera preocupações no Palácio do Planalto, pois mudanças no equilíbrio de demanda externa podem afetar a pauta de exportação brasileira, principalmente quando há uma sinalização de maior abertura comercial por parte de Washington.
Entre as pressões em jogo, está a demanda dos EUA por ampliar a participação de suas exportações para a China. A soja é o principal produto brasileiro nas vendas para o gigante asiático, respondendo pela maior fatia dos embarques brasileiros nesse mercado, apesar de o país já ter visto a soja brasileira ocupar espaço anteriormente ocupado pela americana durante o ciclo de guerras tarifárias. Com esse contexto, a China depende da soja brasileira, enquanto os produtores norte‑americanos também podem atender esse mercado caso haja um acordo comercial entre as partes.
Esse cenário abre um dilema estratégico para o Brasil: se um acordo entre Washington e Pequim trouxer maior concorrência sobre a soja ou outras commodities, o país precisará buscar compradores fora do eixo tradicional. Eram oportunidades políticas, mas a robustez da base produtiva brasileira, com elevada tecnologia, aponta para uma capacidade de atender à demanda chinesa, o que mantém o país vulnerável a oscilações de política externa e aos ventos de negociações com outros blocos econômicos.
Além da soja, os principais produtos brasileiros exportados para a China incluem minério de ferro, petróleo e carnes. Os Estados Unidos também possuem petróleo e carne no portfólio de exportações, o que reforça a necessidade de o Brasil atuar de forma proativa em múltiplas frentes comerciais. Em síntese, governo e empresas precisam sair em busca de contratos ao redor do mundo, pois o Brasil está atrasado no que diz respeito a acordos comerciais amplos e estruturados com outras nações e regiões. O país, historicamente, é visto como menos aberto a negociações comerciais em comparação a outras economias, o que dificulta a participação no amplo movimento de acordos assinados entre blocos regionais e países isolados.
O debate não se resume aos Brics, um grupo que reúne economias bastante distintas e, na prática, não funciona como um bloco comercial único. Em muitos casos, as negociações com o governo dos Estados Unidos vão em direções separadas, pois para diferentes países do grupo o comércio com os EUA continua a ser de alta relevância. Como consequência, muitos decisores buscam acordos com Washington de forma individual, preservando margens de manobra para cada economia nacional.
É difícil negociar sob a mira de uma arma, avaliou o economista indiano Raghuram Rajan sobre o poder de barganha durante o ciclo de tarifas impostas pelo governo americano. “É difícil negociar sob a mira de uma arma”, disse Rajan, destacando que retaliações comerciais podem não ser uma escolha sensata de política externa. O comentário traz à tona o dilema central: como negociar com Washington quando a pressão é constante e as sanções estão na mesa. Além disso, representantes do governo norte‑americano têm indicado a possibilidade de cassar vistos a autoridades de outros países e de recorrer a medidas como a Lei Magnitsky, que já foi aplicada a brasileiros, elevando a tensão entre as partes. Diante desse ambiente, alguns analistas sugerem que o caminho não é o enfrentamento direto, mas o fortalecimento de laços também em áreas políticas e diplomáticas com outras nações, a fim de reduzir vulnerabilidades diante de ações unilaterais.
Quem está especialmente interessado nesse redesenho de relações é a China, que, com sua histórica paciência, busca substituir a liderança americana na ordem econômica mundial. A relação com o Brasil se apresenta como parte desse processo, e a pergunta que se impõe é se o Brasil conseguirá manter o equilíbrio entre manter um parceiro estratégico relevante e evitar ficar dependente de uma única linha de negociação. Em meio a esse cenário, a pergunta que fica é se o Brasil conseguirá escapar da influência de Washington para alcançar maior espaço de manobra com Pequim, ou se a lógica do comércio global o levará a consolidar mais laços com uma estratégia multilateral que não privilegie apenas um país. Em resumo, a situação é complexa e exige uma leitura cuidadosa da geopolítica econômica para não comprometer a autonomia estratégica do Brasil.