Nesta sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal inicia um julgamento sem precedentes: Jair Bolsonaro e militares de altas patentes respondem por tentativa de golpe de Estado, pela primeira vez em cento e trinta e cinco anos de República. O caso coloca sob os holofotes não apenas o destino de um ex-presidente, mas a saúde da democracia brasileira diante de um momento global de tensões entre autoridades e instituições.
O julgamento ocorre em um contexto internacional particularmente atento, com observadores destacando o retorno de temas republicanos ao centro do debate público. No governo de Donald Trump, observadores apontam um rumo preocupante na direção do autoritarismo, o que torna o desfecho do processo ainda mais simbólico para o Brasil e para a comunidade internacional.
Três editoriais que acompanham o julgamento ressaltam que, pela primeira vez, o Brasil confronta rupturas históricas da ordem institucional. Um deles aponta que o país está rompendo uma tradição vexatória, segundo a qual nenhum protagonista de rupturas anteriores chegou a ser levado a julgamento, algo que até então não tinha ocorrido no âmbito da República.
Um editorial enfatiza que o fracasso da tentativa de golpe, que resultou em violência contra as sedes dos três Poderes no dia oito de janeiro, demonstra maturidade das instituições. A atuação firme do STF foi decisiva para assegurar o andamento das investigações pela Polícia Federal e para dar celeridade aos processos, mesmo diante de eventuais contestações sobre a condução das etapas probatórias.
Outro editorial sustenta que anistia a golpismo ou impeachment no STF seria inaceitável. A defesa da democracia, segundo o texto, tem raízes profundas na sociedade, com apoio de empresários, políticos de vários matizes e o papel essencial da imprensa profissional, que ajudou a manter o debate público sob a razão e a legalidade.
O editorial final reforça que episódios como os de oito de janeiro nunca devem se repetir. A maioria da opinião pública rejeita o autoritarismo, e setores da sociedade — do empresariado à política de várias correntes, sem esquecer o papel da imprensa — mantiveram firme a oposição à ruptura. As Forças Armadas, cujos chefes se posicionaram na defesa da ordem constitucional, mostraram que a adesão a planos golpistas não encontra apoio entre as lideranças militares, mesmo quando sob ressalvas ou pressões. A narrativa externa, em especial a pressão de antigos parceiros internacionais, também aparece como elemento que reforça a necessidade de acomodação institucional, não de ruptura.
Crimes imputados formalmente pelos agentes responsáveis pela investigação e pela acusação abrangem a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, a tentativa de golpe de Estado, a participação em organização criminosa armada, o dano qualificado e a deterioração de patrimônio tombado. Cabe aos ministros — e apenas a eles — decidir se os fatos apurados qualificam cada conduta e, se for o caso, determinar a pena adequada, levando em conta agravantes como a repetição do ato ou atenuantes como idade e condição de saúde. O peso da decisão transcende o caso concreto e se torna referência para o equilíbrio entre Estado de Direito e a prática política no país.
Mesmo que o veredito ainda não tenha sido proferido, fica claro que o Brasil vivencia uma etapa histórica: o país, com controle sobre o aparato estatal, mostrou que a busca pela permanência no poder após uma derrota eleitoral não é legitimada pela ordem institucional. Enquanto ainda ocupava o Palácio do Planalto, o ex-presidente atacou a integridade das urnas eletrônicas, sugeriu interpretações contestáveis da Constituição, coordenou a edição de minutas para justificar ações controversas e reuniu lideranças para alinhar apoio entre ministros e chefes militares. Em uma versão encontrada pela Polícia Federal, o plano incluía até o assassinato de autoridades, como forma de intimidar o jogo democrático. Embora a tentativa tenha falhado, em virtude do compromisso dos cidadãos e das instituições com os valores republicanos, o episódio deixa um marco duro para a memória histórica do país e para a avaliação das práticas políticas no curto e no longo prazo.
O período democrático mais longo da história brasileira, apesar da gravidade dos acontecimentos, permanece como referência de resistência institucional. Muitos analistas já destacam que o julgamento, independentemente do desfecho jurídico, sinaliza ao mundo que a democracia brasileira não se curva diante de pressões antidemocráticas. A conclusão que emerge de modo prudente é que a democracia venceu, não apenas pela forma como as instituições atuaram, mas pela forma como a sociedade reagiu — com responsabilidade cívica, com a imprensa exercendo seu papel de fiscalização e com as lideranças políticas e militares reconhecendo a necessidade de manter a ordem constitucional.