A hipertensão arterial é uma das doenças crônicas mais comuns no Brasil e um fator de risco central para infarto e AVC. Mesmo com o uso contínuo de medicamentos, muitos pacientes relatam que a pressão volta a subir com o tempo. O que parece ser uma perda de eficácia não decorre de uma falha química dos fármacos, mas de uma combinação de fatores relacionados ao organismo, ao estilo de vida e à adesão ao tratamento.
O que explica a percepção de perda de efeito
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que os remédios não perdem seu efeito químico com o passar do tempo. O que acontece, na prática, são mudanças no corpo, no estilo de vida ou na adesão ao tratamento.
O termo 'tolerância verdadeira' é muito raro. O que vemos, na realidade, é comportamento, interações medicamentosas e a progressão natural da doença.
Esse conteúdo, segundo o cardiologista Pedro Xavier Fontes, envolve fatores como alterações no organismo com o envelhecimento, progressão da doença e a existência de outras condições que exigem uso de vários fármacos ao mesmo tempo. O corpo não é estático e, ao longo dos anos, surgem situações que dificultam o controle da pressão, mesmo com tratamento adequado.
Como o envelhecimento e a saúde influenciam a pressão
O envelhecimento traz mudanças relevantes para o sistema cardiovascular. Conforme o cirurgião cardiovascular Ricardo Katoyese, as artérias tornam-se mais rígidas, o que dificulta o controle principalmente da pressão sistólica. Além disso, pacientes com múltiplas doenças crônicas e uso de diversos medicamentos — o que chamamos de polifarmácia — passam a ter mais interações que podem parecer uma falha do anti-hipertensivo. Bruna Miliosse, especialista associada à Sociedade Brasileira de Cardiologia, reforça que ganho de peso, envelhecimento ou uso de outros fármacos também podem interferir no tratamento, enfatizando que não é o remédio que perde efeito, mas o contexto do paciente que muda.
O papel das classes de remédios
Essa variação de resposta também depende do tipo de medicação. Segundo Fontes, inibidores da ECA (IECA) e bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) são pilares, mas seu efeito pode se reduzir em quem consome muito sal ou usa anti-inflamatórios com frequência. Os bloqueadores de canal de cálcio, como o anlodipino, controlam bem a pressão, porém podem causar edema nas pernas em até um terço dos pacientes, o que reduz a adesão. Já os betabloqueadores não costumam ser a primeira opção isoladamente, sendo mais indicados em situações específicas, como pós‑infarto ou arritmias. Para o cardiologista Claudio Catharina, a combinação de dois ou três fármacos pode aumentar as chances de controle, especialmente quando o organismo desenvolve atalhos para escapar da ação isolada de cada medicamento.
O IECA, com uso prolongado, pode estimular a liberação de aldosterona, elevando a pressão. Por isso, a associação de dois ou três fármacos tem mais chance de sucesso.
- Dr. Claudio Catharina, gestor da unidade coronariana do Hospital Icaraí
Interações escondidas no dia a dia
Interações com remédios comuns podem elevar a pressão e reduzir o efeito terapêutico. Anti-inflamatórios podem aumentar a pressão em 5 a 10 milímetros de mercúrio e antagonizar os efeitos de IECA, BRA e diuréticos. Descongestionantes nasais com pseudoefedrina também elevam bastante a pressão. Corticoides, anticoncepcionais com estrogênio, cafeína em excesso e até pré‑treinos podem atrapalhar o controle, segundo Fontes. Essas interações costumam passar despercebidas pelos pacientes, contribuindo para a sensação de que a pressão “escapou” mesmo com tratamento.
Adesão é o principal desafio
Mais da metade dos pacientes deixa de tomar os remédios corretamente já no primeiro ano de tratamento. Esquecer doses, ajustar por conta própria ou abandonar a medicação comprometem o controle. “É comum o paciente pensar: ‘minha pressão está boa, então não preciso mais tomar’. Aí volta tudo, porque, na verdade, ele continua sendo hipertenso”, observa o cirurgião Katoyese.
Estilo de vida que reforça — ou atrapalha — o tratamento
Mesmo quando a medicação é usada corretamente, hábitos pouco saudáveis podem neutralizar o efeito. Dieta rica em sódio, por exemplo, pode anular parte da ação do anti‑hipertensivo. O álcool também altera o metabolismo do fármaco. Pequenas mudanças ajudam a manter o controle: separar as doses em caixinhas, usar combinações de comprimidos únicos, reduzir o sal, evitar o excesso de álcool, revisar outros remédios em uso e investigar causas secundárias como apneia do sono ou hiperaldosteronismo. Marcel Moussa, médico cardiologista do Hospital São Luiz, complementa que o paciente pode colaborar monitorando a própria pressão com aparelhos domiciliares ou relógios inteligentes, permitindo ajustes de dose ou combinações quando necessário.
Acompanhamento e ajustes são indispensáveis
Antes de trocar ou aumentar a medicação, é essencial confirmar se o paciente está tomando corretamente e se não há fatores externos elevando a pressão. Fontes explica que não adianta mudar a medicação apenas por matemática de dose se o problema for adesão ou uso de anti‑inflamatório. O objetivo é corrigir estes pontos primeiro. Moussa acrescenta que a hipertensão é uma doença silenciosa e perigosa; o acompanhamento médico e o monitoramento domiciliar são fundamentais para evitar surpresas ao medir a pressão.
Como manter o controle a longo prazo
Para manter o controle, os médicos recomendam: seguir a prescrição, tomar os remédios nos horários corretos e não interromper por conta própria; cuidar dos hábitos — reduzir o sal, praticar atividade física, dormir bem e gerenciar o estresse; evitar interações, principalmente com anti‑inflamatórios, descongestionantes e corticoides; manter consultas regulares para aferir a pressão e revisar o tratamento. Fontes resume: o controle sustentado é possível; quando se perde, quase sempre envolve adesão, sal em excesso, interações ou progressão da doença. O remédio continua funcionando, é a forma como o paciente vive em conjunto com ele que determina o sucesso a longo prazo.
Perspectivas futuras e implicações
O consenso entre especialistas é que a resposta individual a cada tratamento pode ser ajustada com monitoramento adequado e com estratégias personalizadas. A prática de combinar classes de fármacos, associada à ampliação de monitoramento domiciliar e a educação sobre adesão, tende a melhorar os resultados a longo prazo. Em resumo, manter o controle da pressão arterial depende da soma de adesão, ajuste de dose, estilo de vida equilibrado e atenção às interações com outros medicamentos, mantendo a eficácia dos antihipertensivos no dia a dia do paciente.