A Terra Yanomami, um dos maiores territórios indígenas do Brasil, com quase 10 milhões de hectares, continua a enfrentar sérias ameaças quase três anos após o decreto de emergência em saúde pública. As lideranças indígenas, principalmente da Hutukara Associação Yanomami, alertam que o garimpo ilegal persiste, causando graves impactos à saúde e à vida das comunidades locais.
Apesar de declarações de avanços significativos por parte do Governo Federal, que intensificou operações na região a partir de 2023, a crise humanitária se mantém com a contaminação de rios por mercúrio. A Hutukara, juntamente com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), entregou um dossiê à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando que ações do governo são insuficientes e que a saúde dos Yanomami continua em grave situação.
O documento evidencia que, mesmo com o decreto de emergência, a União falhou em estabelecer triagens e tratamentos adequados para os indígenas afetados pela contaminação por mercúrio. "Os garimpos ilegais continuam ativos, provocando desnutrição e transformando a rotina dos indígenas", explica Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara. Invasores ainda estão presentes em importantes áreas, especialmente ao longo dos rios Catrimani e Uraricoera, e as evidências de sua atuação são claras e alarmantes.
Segundo especialistas, a falta de um plano efetivo para conter a volta dos invasores é o principal desafio que o governo enfrenta. A legislação atual impõe penas brandas para crimes ligados ao garimpo, o que dificulta a combatibilidade do problema. Um projeto de lei para endurecer as sanções em relação ao garimpo ilegal está em tramitação no Senado.
Consequências Humanitárias e Sanitárias da Atividade Garimpeira
As consequências da atividade garimpeira vão além da degradação ambiental. Os relatos indicam que as comunidades estão cada vez mais dependentes de alimentos fornecidos pelos garimpeiros, o que gera fome e vulnerabilidade entre as famílias. As crianças, especialmente, têm sido afetadas pela desnutrição severa e pelo aumento de doenças, como a malária.
O boletim de setembro do Sistema de Alertas confirmou que as condições de saúde na Terra Yanomami permanecem precárias. "Uma criança veio a óbito na Missão Catrimani devido à falta de atendimento no tempo certo, evidenciando a ineficiência do sistema de saúde", salienta o dossiê. O Ministério da Saúde, por sua vez, aponta que o número de profissionais de saúde no território aumentou, mas as lideranças indígenas afirmam que a realidade é muito diferente da apresentada. "É inadmissível que o Estado amenize os altos índices de doenças sem atender efetivamente às questões levantadas", reclamam.
A Resposta do Governo e as Repercussões de Longo Prazo
Em resposta, a Casa Civil do Brasil afirma que as ações contra o garimpo ilegal têm sido efetivas, com uma redução de 98% nas áreas de garimpo ativo. A assistência aos indígenas supostamente aumentou com a destinação de quase R$ 499 milhões em combate aos invasores. Contudo, as lideranças indígenas questionam essa narrativa, afirmando que o governo ainda carece de ações sustentáveis e permanentes.
A situação na Terra Yanomami exemplifica não apenas uma crise ambiental, mas um grave desafio à dignidade humana e à sobrevivência de uma cultura milenar. O sociólogo Rodrigo Chagas considera que a luta contra o garimpo ilegal está longe de um desfecho. O risco é que, mesmo com operações governamentais, a dinâmica histórica de entrada e saída dos garimpeiros persista, demandando um comprometimento contínuo e multifacetado para combater essa realidade. "A compreensão social sobre a exploração mineradora precisa mudar para que a história dos Yanomami seja respeitada", conclui, enfatizando a necessidade urgente de uma reavaliação das políticas de proteção aos povos indígenas.