ONU contrata empresa de segurança ligada ao regime de Assad
Documentos revelados pelo ‘Damascus Dossier’ indicam que a empresa Shorouk, responsável pela segurança da sede da ONU em Damasco, tinha vínculos diretos com a Direção Geral de Inteligência síria, controlada pelo regime de Bashar al-Assad. Esta situação levanta sérias preocupações sobre a ética e a segurança nas operações humanitárias da ONU na Síria.
A Shorouk foi escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para proteger sua sede e centros regionais na Síria, firmando contratos que somam pelo menos 11 milhões de dólares ao longo de uma década. Esses documentos confidenciais revelam que a empresa não era apenas um prestador de serviços de segurança, mas operava sob o controle direto de um dos organismos mais repressivos do regime.
A Direção Geral de Inteligência é notória por sua brutalidade e sua participação na repressão de qualquer forma de oposição ao governo. Em várias ocasiões, a ONU documentou os crimes de guerra perpetrados por este órgão, o que torna ainda mais alarmante a conexão entre a agência da ONU e a Shorouk.
Os documentos fazem parte de uma base de dados maior contribuída por uma fonte durante os tumultuados dias que sucederam a queda do regime de Assad, em dezembro de 2024. Os materiais foram extraídos pela emissora pública alemã NDR e compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), revelando o envolvimento da Shorouk em pelo menos 130 contratos e ordens de compra com agências da ONU entre 2014 e 2024.
A única empresa controlada pela DGI
A Shorouk se autodenomina como “a principal empresa de segurança na Síria”, com mais de 2.000 funcionários. Documentos internos mostram que executivos da empresa a consideravam uma extensão da Direção Geral de Inteligência. Apesar das denúncias anteriores sobre outros contratantes da ONU com ligações ao regime, esta é a primeira confirmação de uma relação direta entre a ONU e uma empresa pertencente ao aparato de segurança de Assad.
Um memorando de 2019 indica que a Shorouk enviou um cheque de 50 milhões de libras sírias (cerca de 100.000 euros) à DGI, acompanhada de uma carta explicando que os fundos eram provenientes da participação nos lucros da empresa. Essa prática, comum sob o regime, envolvia registrar empresas em nome de intermediários para evitar o escrutínio internacional.
Em 2022, o diretor da Shorouk solicitou ajuda ao chefe da DGI para adquirir armamentos, reiterando que a empresa deveria receber tratamento especial por ser a única empresa controlada pela DGI. Paralelamente, a ONU documentava os crimes cometidos por este mesmo órgão, incluindo torturas e execução de opositores.
A ONU, em resposta ao ICIJ, afirmou que seguiu todos os procedimentos de contratação ao firmar com a Shorouk e que realizou uma “diligência devida reforçada”. No entanto, admitiu que operar na Síria era "muito complexo" e que havia poucas opções viáveis no mercado.
Controvérsias e vigilância
Desde 2022, organizações como a Human Rights Watch apresentaram denúncias sobre os vínculos entre a Shorouk e o regime. A ONU se viu pressionada a rever essa relação, especialmente após rumores sobre a vigilância de suas atividades.
Funcionários do regime estavam preocupados com essa reavaliação, considerando-a uma ameaça à segurança nacional. A pressão resultou em contratos significativos continuando a ser atribuídos à Shorouk em 2023 e 2024.
É importante notar que o estado sírio se beneficiava financeiramente da ajuda humanitária da ONU, recebendo parte dos fundos enviados para salários de funcionários de empresas de segurança, através de manobras cambiais que favoreciam o tesouro público.
Após a queda de Assad, a Shorouk mudou de nome e reformulou sua imagem, buscando continuar suas operações sob a nova administração. O diretor da empresa alegou que os rumores sobre suas ligações ao antigo regime eram fabricados e que a empresa agora operava legalmente sob as novas autoridades.
Essa situação clama por discussão sobre a responsabilidade da comunidade internacional ao contratar empresas com conexões tão próximas a regimes autoritários e a importância de garantir que a ajuda humanitária chegue efetivamente às populações necessitadas, sem beneficiar aqueles que perpetuam regimes de opressão.