Após uma fase marcada pela apatia, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva começa a demonstrar um discurso mais combativo, semelhante ao período de 2006, focando na defesa das classes popular e média. Essa mudança de tom surge em meio a derrotas recentes no Congresso e junto a propostas como a reforma do Imposto de Renda, visando reposicionar o Partido dos Trabalhadores como o defensor dos menos favorecidos.
Remontando duas décadas atrás, o ex-presidente Lula superou uma grave crise em seu primeiro mandato, desencadeada pela denúncia do mensalão, onde se viu obrigado a reagir ao ataque das elites. Com declarações marcantes, como "Não vai ser a elite brasileira que vai me fazer baixar a cabeça", Lula conseguiu se reerguer e venceu a eleição de 2006, estabelecendo o "nós contra eles" como um dos pilares de sua narrativa política.
A volta de Lula ao poder no ano passado trouxe uma mudança de discurso influenciada pelo radicalismo da gestão anterior de Jair Bolsonaro. Embora inicialmente tenha buscado um caminho de conciliação e defesa da democracia, a nova realidade política, com adversários inelegíveis e descontentes apreendidos, tornou o apelo desta agenda menos eficaz. Com uma oposição mais dinâmica e presente, a gestão Lula enfrenta um desafio crescente, especialmente no ambiente digital e no Congresso, onde muitos parlamentares se posicionam numa linha mais centro-direita.
A mobilização do governo se intensificou depois que enfrentou uma derrota significativa no Parlamento, possibilitando uma nova abordagem que visa unir a esquerda contra os interesses considerados privilegiados. As recentes decisões do Congresso em relação ao IOF e as tensões geradas em torno da reforma tributária reabrem a discussão sobre a equidade fiscal no país.
No cerne do debate econômico está a reforma do Imposto de Renda proposta por Fernando Haddad, que prevê isenção para trabalhadores com salários até R$ 5 mil mensais, com uma nova alíquota de 10% para rendimentos superiores a R$ 100 mil. Essa mudança, estimada para afetar cerca de 140 mil brasileiros, pretende alterar a desigualdade tributária vigente, onde apenas uma minoria é beneficiada.
Contudo, sustentar essa linha de confronto com o Congresso pode não ser uma tarefa fácil para Lula, uma vez que a população busca resultados concretos e muitas políticas públicas necessitam de aprovação legislativa. A acusação a outra esfera de poder como "inimiga do povo" pode relembrar os piores momentos do golpismo. Apesar disso, após um mandato de inércia, o governo parece ter encontrado uma voz. Enquanto isso, a nova postura que se delineia, voltada para as classes médias e baixas, será testada nas batalhas futuras, com um cenário político onde a direita ganhou força na última década. A incerteza permanece quanto à eficácia da estratégia que há 20 anos o levou a uma vitória decisiva, mas com os desafios atuais, qualquer adversário pode emergir com promessas de novas alianças.
Paulo Celso Pereira é editor executivo do GLOBO