Nos primeiros meses de 2025, a cidade de São Paulo registra um alarmante crescimento no número de feminicídios. Com 29 mulheres assassinadas apenas entre janeiro e maio, a capital paulista atinge o maior número de casos da sua história. Este contexto sombrio lança luz sobre a realidade de 73 órfãos que recebem o benefício Auxílio Ampara, destinado a apoiar financeiramente crianças e adolescentes que perderam suas mães para a violência de gênero.
O Auxílio Ampara, criado para minimizar os impactos da perda, pode chegar a até um salário mínimo por criança ou adolescente de até 18 anos. No entanto, o número de famílias que realmente se beneficiam é alarmantemente baixo. Dados oficiais mostram que, até março deste ano, apenas 66 jovens estavam cadastrados, resultando em um custo mensal de R$ 102,3 mil para a Prefeitura. Esse número representa um aumento em relação a 2024, quando somente 43 crianças eram atendidas.
O acesso ao Auxílio Ampara, no entanto, não é fácil. Para obter o suporte, as famílias devem atender a uma série de requisitos: formalização da guarda da criança, matrícula em escola da capital e inscrição do responsável no Cadastro Único (CadÚnico). De janeiro a março de 2025, somente duas novas crianças conseguiram ser incluídas na lista de beneficiários, um reflexo das barreiras que muitas famílias enfrentam. A juíza Teresa Cabral, do Tribunal de Justiça de SP, desabafou sobre a situação: "Existe um desamparo muito grande. Ação para reparar e acolher essas crianças é crucial, pois traz conforto e cumprimento da obrigação do Estado".
O feminicídio, por definição, é um crime hediondo que resulta em penas severas, variando de 12 a 30 anos de prisão. Com a tipificação desse crime em 2015, a contagem dos casos se tornou mais precisa. Infelizmente, as novas estatísticas refletem uma triste realidade: 51 casos foram reportados em 2024, e a onda de violência continua a aumentar. Silvana Mariano, coordenadora do Laboratório de Estudos e Feminicídios (Lesfem), explica que a misoginia e o aumento nas discussões sobre feminicídio contribuem para o crescimento nos registros, apesar de São Paulo ainda ter uma das menores taxas de feminicídio do Brasil, com média de 1,8 casos por 100 mil mulheres.
As características desse crime revelam a brutalidade que o cerca. O feminicídio ocorre majoritariamente em ambientes domésticos, geralmente pelas mãos de companheiros ou ex-companheiros, com picos de violência registrados em domingos e feriados—periodos em que as famílias estão mais juntas. Assim, ataca-se não apenas a mulher, mas também o vínculo familiar. Historicamente, pelo menos 135 mulheres vítimas de feminicídio no estado em 2024 tinham filhos menores de idade, impactando severamente 239 crianças e adolescentes. Esse tipo de violência tem consequências profundas e duradouras para o desenvolvimento emocional e psicológico da criança, conforme aponta a professora Juliana Prates da Universidade Federal da Bahia, salientando a necessidade urgente de fortalecer políticas públicas para proteger essas crianças.
Embora uma nova legislação sancionada em 2023 prometa uma pensão especial de um salário mínimo por mês para órfãos de feminicídio, essa lei ainda não foi regulamentada e, portanto, nenhuma criança recebeu este suporte até o momento. O Ministério das Mulheres está finalizando os critérios para a implementação, que inclui menos de 18 anos e renda familiar abaixo de 25% do salário mínimo por pessoa. Apesar da promessa, a falta de ações concretas mantém esses jovens vulneráveis e sem proteção.
Assim, enquanto o número de feminicídios continua a subir, os recursos e ajuda para aqueles que mais precisam permanecem limitados, acentuando a urgência para uma resposta efetiva das autoridades e da sociedade na proteção das vítimas e apoio às suas famílias.