O papel higiênico no Brasil apresenta uma característica que pode causar problemas de entupimento: ele não se desfaz facilmente na água. Essa situação é preocupante, já que a legislação brasileira não obriga os fabricantes a indicarem o índice de desagregação nas embalagens. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a capacidade de desagregação não depende apenas do papel em si.
Culturas em outros lugares do mundo fazem uso do papel higiênico no vaso sanitário sem problemas, mas essa prática é polêmica no Brasil. A principal justificativa para não se jogar papel no vaso está relacionada à infraestrutura precária do esgoto, que não suporta adequadamente esse tipo de descarte. Além disso, especialistas apontam que a falta de exigências quanto à desagregação do papel contribui para o problema.
Como o papel higiênico se desagrega na água?
A habilidade do papel em se desagregar na água é crucial. Isso está ligado ao tratamento que os diferentes tipos de papel higiênico recebem na indústria. Embora não haja impermeabilizantes, como ocorre com o papel-toalha, muitos modelos de papel higiênico contêm aditivos que o tornam mais macio. Essas substâncias têm o efeito colateral de torná-los menos desagregáveis na água. Lúcia Coelho, professora da UFABC, destaca que a quantidade de aditivos é um fator determinante para essa resistência a desagregar.
Quem regulamenta o papel higiênico no Brasil?
A padronização dos produtos de papel no Brasil é responsabilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A entidade possui normas que categorizam papéis para fins sanitários, mas estas não estabelecem critérios para desagregação. Patrícia Kaji Yasumura, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), explica que as normas são mais voltadas à classificação do desempenho do papel do que à sua capacidade de desintegração. Portanto, não há exigência de que essas informações estejam nas embalagens.
Internacionalmente, existe a norma ISO 12625-17:2021, que pode orientar testes de desagregação, mas não fornece uma definição clara do que é um papel aceitável para descarte no vaso sanitário.
Como é a situação em outros países?
Diferentes países possuem normas específicas que estabelecem critérios para papéis higiênicos que podem ser descartados no vaso. Por exemplo, a Espanha possui a norma UNE 149002, enquanto a Bélgica tem legislações semelhantes. Esses países categorizam seus papéis como hidrossolúveis ou desagregáveis, facilitando as decisões de compra dos consumidores. A falta de regulamentação no Brasil causa desafio para os consumidores que buscam essas informações ao selecionar produtos nas prateleiras.
O papel biodegradável e sua relação com o vaso sanitário
Um ponto relevante é a confusão entre os termos biodegradável e desagregável. Mesmo que um papel seja rotulado como biodegradável, não significa que ele possa ser descartado no vaso. O conceito de biodegradabilidade refere-se ao tempo que o produto leva para se decompor no meio ambiente, podendo variar de 90 dias a seis meses. No entanto, apenas se desagregar em água não garante que ele não cause entupimentos, pois a desagregação deve ocorrer em um período bem mais curto.
Desafios tecnológicos e econômicos
Outra barreira para a produção de papéis higiênicos que se desagregam é tecnológica e financeira. Segundo Yasumura, a produção de um papel que se desintegra facilmente na água requer um equilíbrio delicado entre resistência e maciez, o que eleva os custos de produção. Lúcia Coelho ressalta que as fabricantes muitas vezes hesitam em inovar devido à falta de incentivos e à percepção de que a infraestrutura de esgoto incapaz de gerir o descarte de papel no vaso é uma limitação importante.
Posição da indústria
A ABIHPEC afirma que a capacidade de desagregação do papel higiênico não é a única responsável pelos problemas de entupimento. A associação destaca que a estrutura dos sistemas de esgoto é um fator crucial e que muitas vezes são outros resíduos, como lenços umedecidos e plásticos, que contribuem para o problema. O cenário atual sobre a regulamentação e os padrões de desagregação no Brasil permanece indefinido, frustrando tanto os consumidores quanto os especialistas da área.
Enquanto isso, fabricantes como Mili, Softys, Santher e Suzano não se manifestaram sobre as questões levantadas na reportagem, reiterando a necessidade de uma discussão mais profunda sobre a situação do papel higiênico no Brasil.