Um pacote de novas regras de imigração no Reino Unido, anunciado em maio pelo primeiro-ministro Keir Starmer, está tornando mais exigente o acesso a vistos e prolongando o tempo mínimo para pedir residência permanente, o que afeta especialmente estudantes e trabalhadores brasileiros. A notícia chega enquanto brasileiros na região de Willesden Green, em Londres, conhecido como Little Brazil, relatam frustração com as mudanças.
Entre as mudanças anunciadas estão a necessidade de testes de inglês para requerentes de visto e seus dependentes adultos, a extensão do tempo mínimo para solicitar a residência permanente de cinco para dez anos — com data de entrada em vigor ainda sem prazo — e o aumento da base salarial necessária para o visto de trabalho. Mesmo havendo exceções para algumas profissões e para quem já possui visto de graduação ou estudante, a nova política pesou no planejamento de quem pretende permanecer no país.
Maior base salarial
Agora, a base salarial exigida para solicitar o visto de trabalho subiu de £38.700 para £41.700 por ano (de R$ 238 mil para R$ 305 mil). Anteriormente, em abril do ano passado, o valor já havia subido de £26.200 para £38.700 (de R$ 191 mil para R$ 283 mil). Mesmo com exceções, a política foi decisiva para muitos, incluindo Sara Baptista, brasileira que trabalhava na área de direitos humanos.
— A maioria das vagas na minha área ficava por volta de £33 mil ao ano. Desde o ano passado, comecei a pensar em voltar. Vi que não teria nenhum emprego que pagasse isso — disse Sara.
Em março, Sara chegou a receber uma oferta, mas a empresa cancelou a vaga ao perceber que seria necessário patrocinar seu visto. Mesmo após investir cerca de £2.800 em seu visto de graduação, ela decidiu retornar ao Brasil meses antes da expiração do documento.
O endurecimento das regras migratórias é apresentado pelo governo como forma de conter a migração líquida — o saldo entre entradas e saídas. Desde o Brexit, concluído em 2020, a imigração para o país disparou: entre 2022 e 2023, o Reino Unido recebeu mais de 800 mil imigrantes, contra médias de 200 mil a 300 mil por ano antes da saída da UE.
Durante a apresentação do pacote, o premier afirmou que o governo precisava retomar o controle das fronteiras para evitar que o país se transforme em "uma ilha de desconhecidos" caso não adotasse as novas regras. Dados do Home Office mostram que o número de brasileiros que retornaram do Reino Unido subiu de 620 em 2021 para 4.850 em 2024, tornando o Brasil a terceira nacionalidade com mais retornos no ano anterior. Já no primeiro semestre de 2025, o total alcançou 3.049, incluindo deportações, retornos voluntários e espontâneos.
Para Nuni Jorgensen, pesquisadora do Observatório de Migração da Universidade de Oxford, o número é alto considerando o tamanho da comunidade brasileira — “Os indianos, por exemplo, já são uma nacionalidade muito presente no país, é a maior em termos de população não britânica. Mas o Brasil, não. É uma taxa muito alta de retorno em comparação com o tamanho da população.”
Mais pedidos de asilo
Muitos brasileiros retornam por estarem em situação irregular. Desde julho de 2024, o Partido Trabalhista prometeu intensificar o retorno de imigrantes irregulares e deslocou mil funcionários para a fiscalização migratória. O governo também reforçou o chamado retorno voluntário, com ofertas de cerca de £3 mil para quem decide ir embora, além da passagem de avião. Foi por esse sistema que Caio, nome fictício, voltou a Goiânia em fevereiro. Ele havia se mudado para Londres no fim de 2020 e, ao tentar obter o visto de dependente, acabou passando por período irregular trabalhando como entregador, em turnos exaustivos de até 15 horas diárias.
Caio foi detido em 2023 e pediu asilo para evitar deportação, uma opção que cresce entre brasileiros expatriados. O aumento dos pedidos de asilo é evidente: até 2018, o número de requerentes não chegava a 40; no ano passado, atingiu 2.640, com apenas 19 aceitos. A pesquisadora atribui boa parte desse cenário à falta de orientação adequada e à dificuldade de comprovar perseguição no Brasil, mantendo a estagnação de sucesso.
Falta de pertencimento
A notícia sobre o maior tempo mínimo para solicitar residência permanente levou Thabata Alves, consultora em uma empresa de software em Londres, a repensar seus planos. Ela vive na capital britânica há quatro anos e esperava entrar com o pedido no próximo ano, deixando de depender do visto de trabalho, que vence em outubro de 2026.
“Não faria sentido ficar mais cinco anos aqui. Primeiro, porque teria que renovar o meu visto com a minha empresa, o que demandaria o investimento de bastante dinheiro para mais cinco anos de visto.”
Thabata também mencionou a possibilidade de retornar ao Brasil ou buscar outro país europeu, e que a empresa onde trabalha já demonstrou a intenção de manter o visto, mas dependerá da burocracia de manter o custeio.
Contudo, muitos brasileiros, incluindo Sara, compartilham da frustração. Mesmo sem experiências de xenofobia, Sara acredita que as medidas enviam uma mensagem clara: “Nesse momento, senti que realmente não pertencia ao país.”