Projetos agrivoltaicos, que combinam energia solar com atividades agrícolas, estão em expansão global, com destaque para Japão, China, França e Alemanha. No Brasil, a tecnologia ainda é incipiente, mas já existem iniciativas em Minas Gerais e Pará que demonstram potencial para impulsionar a produtividade, proteger o solo e, consequentemente, o PIB.
No Nordeste, o projeto Ecolume integra geração solar com horticultura e criação de animais, oferecendo soluções para insegurança alimentar e hídrica. A iniciativa é apresentada como exemplo de uso social da tecnologia, com foco em comunidades locais e escolas técnicas.
O Japão é pioneiro na implantação dos agrivoltaicos, com mais de duas mil fazendas e pesquisas conduzidas por universidades. No Brasil, o modelo ainda está engatinhando. China, França e Alemanha também se destacam com projetos reconhecidos. Atualmente, apenas 2% da geração solar global está consorciada com cultivos ou criação de animais. Em Jaíba e Prudente de Morais, em Minas Gerais, a Cemig, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e o Instituto Fraunhofer, está implantando o maior sistema do país, visando testar o cultivo de melão, morango, feijão e alface, mantendo pastagens para bovinos sob as placas solares. O projeto envolve sete instalações, que devem gerar 75 kilowatts em média. Os estudiosos irão comparar a produtividade vegetal sob o modelo agrivoltaico com o rendimento das lavouras tradicionais.
“Somos muito otimistas a respeito dos empreendimentos agrivoltaicos porque protegem o solo enquanto permitem que as plantas que gostam de meia-sombra cresçam mais”, afirma Manuel Steidle, head do escritório brasileiro da Fraunhofer, rede alemã de 76 institutos dedicados à pesquisa aplicada à indústria.
Em Santarém, no Pará, a cooperativa CCampo Alimentos testa a técnica há mais de um ano em um sítio próprio. Os cooperados já produziram tomate, pimenta e pepino com sucesso debaixo das 144 placas em 1,5 hectare. Apenas a cebola registrou perdas de 20% da produção por conta do empoçamento de água da chuva ao redor dos painéis. O próximo passo é testar a produção de frutíferas, como acerolas, sob placas mais altas. Hoje, a energia gerada pela microusina é usada nas unidades de armazenamento de mandioca e processamento de polpa de frutas.
“É um desenho rentável para quem tem pouco espaço para produzir, como sítios pequenos. E, além do cuidado com o escoamento da água das chuvas, é preciso atenção com a sombra, já que muitas culturas precisam de algumas horas de sol. Com tarifa vigente de R$ 0,97 por kilowatt hora, a fatura mensal de energia elétrica para uma família de quatro pessoas no estado pode chegar a R$ 1 mil”, comenta Mário Zanelato, presidente da cooperativa.
No semiárido pernambucano, em Ibimirim, a construção de um sistema com dez painéis, além de associar geração solar e horticultura, inovou ao integrar criação de peixes, galinhas, captação de água da chuva e reúso de águas residuais. Batizado de Ecolume, o modelo opera em uma escola de agroecologia e é apresentado como referência para comunidades buscando soluções integradas.
Entenda: Em agosto, o excesso de geração de energia forçou a interrupção de parte da produção de eólicas e solares. Para Francis Lacerda, idealizadora do projeto e climatologista do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), a tecnologia é uma solução que ataca diretamente os problemas da insegurança alimentar, hídrica e energética, especialmente na Caatinga, hotspot de alterações climáticas e área de alto índice solar, onde o modelo se mostra particularmente eficiente. Do Valor.
Especialistas destacam que, apesar do estágio inicial no Brasil, os agrivoltaicos podem aliar proteção do solo, mitigação de impactos da seca e uso mais eficiente da água, além de oferecer uma alternativa de produção agrícola em áreas já destinadas à geração de energia. A expansão global aponta para uma combinação entre pesquisa, políticas públicas de apoio e parcerias entre setor elétrico, instituições de pesquisa e produtores rurais, com o objetivo de ampliar a capacidade de geração limpa sem comprometer o rendimento das lavouras.
Perspectivas futuras indicam que a tecnologia pode evoluir para se tornar mais comum, com monitoramento de produtividade e impactos ecológicos, além de ampliar o acesso a comunidades com espaço limitado para produção. A ampliação de projetos como o Ecolume, a atuação de instituições como Fraunhofer e a cooperação com empresas locais sinalizam que o agrivoltaico pode ganhar espaço no Brasil, contribuindo para a segurança alimentar, hídrica e energética do país e para a competitividade do setor rural no cenário global.