O acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid pode ser invalidado caso se prove que ele mentiu. No entanto, isso não resultaria no encerramento do processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus no Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com especialistas consultados pelo UOL.
Recentemente, a legitimidade do acordo foi questionada após a publicação de uma reportagem pela revista Veja, que mencionou mensagens entre o perfil do Instagram @gabrielar702, supostamente de Cid, e pessoas próximas a Bolsonaro. Isso indicaria uma violação das condições do acordo. Além disso, o ex-ministro Gilson Machado teve sua prisão decretada pela Polícia Federal (PF) sob a acusação de facilitar uma fuga de Cid com um passaporte português, o que ele nega.
As defesas de Cid e de outros envolvidos, como o ex-assessor Filipe Martins e o general Walter Braga Netto, estão solicitando ao STF que investigue a titularidade do perfil de Instagram, assim como a relação deste com outras contas. A estratégia é deslegitimar a delação de Cid, uma vez que Bolsonaro e demais réus questionam sua credibilidade. "O acordo firmado por Mauro Cid possui grave vício de voluntariedade e, entre mentiras e coações, sua delação é absolutamente desprovida de credibilidade", afirma a petição da defesa do general Braga Netto.
Juristas ressaltam que é imprescindível apurar se realmente houve violação nas condições do acordo, estabelecido no final de 2023, que exige confidencialidade sobre as informações prestadas. Segundo o advogado Daniel Bialski, mentiras e omissões podem levar à anulação de delações, enquanto o criminalista Alexandre Pacheco Martins argumenta que é necessário um aprofundamento nas investigações antes de se tomar uma decisão.
Daniel Bialski, advogado: "Se o delator vazou informações ou faltou com a verdade, sua delação pode ser anulada."
Martins complementa que seria imprudente invalidar automaticamente a delação com base em suspeitas ainda não confirmadas, destacando que uma anulação precipitada poderia beneficiar a retórica dos acusados e minar a presunção de inocência.
Embora a anulação do acordo tenha impactos diretos no delator, como a perda de benefícios que poderia garantir penas mais brandas, sua ocorrência não comprometeria as evidências que estão em análise. José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, afirma que, mesmo que Cid tenha mentido, a apuração criminal continuaria sólida, baseada em provas que corroboram suas declarações.
José Eduardo Cardozo, advogado e ex-ministro da Justiça: "A maior parte das informações do delator tem provas, desqualificar o discurso não irá apagar as evidências."
Vale lembrar que o acordo de delação quase foi anulado no ano passado, após vazamentos de áudios em que Cid relatava estar sendo pressionado pela PF. Em março, ele foi preso por descumprimento de cautelares e obstrução de Justiça, e em novembro, convocado a depor novamente após a PF apresentar novos detalhes que não constavam de seu relato original. O STF considerou que essa era a "última chance" para que o delator falasse a verdade.