Um estudo realizado em 2024 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Flacso Brasil aponta a urgência de prevenir tragédias em escolas por meio de um projeto coletivo da sociedade, indo além de protocolos de segurança. O relatório observa que quatro ataques marcantes — Realengo, no Rio de Janeiro em 2011; Goiânia, em 2017; Suzano, em 2019; e Vila Sônia, em 2023 — expuseram falhas profundas na prevenção, no acolhimento às vítimas e no enfrentamento da violência extrema no ambiente escolar, bem como nos mecanismos de apoio aos sobreviventes. Em vez de respostas pontuais, a pesquisa propõe uma ética do cuidado que oriente políticas públicas baseadas nos direitos humanos.
Contexto da pesquisa destaca que a prevenção da violência escolar não pode se reduzir a medidas de segurança ou a respostas reativas a incidentes isolados. O estudo defende um projeto coletivo de sociedade que reconheça a sala de aula como espaço de cuidado, proteção, diálogo e gestão democrática. Os autores ressaltam a necessidade de políticas estruturantes que integrem educação, saúde mental, assistência social e participação comunitária, ancoradas nos direitos humanos e na ética do cuidado.
Como parte das evidências recolhidas, a memória das vítimas é apresentada como motor para mudanças. A frase “lembrar é reagir, esquecer é permitir” aparece entre as entrevistas, destacando a importância de transformar a dor em ação e de manter aceso o compromisso com a proteção de crianças, adolescentes e jovens nas escolas.
Origens e dinâmica da violência: o papel das redes
Esses ataques não surgem de forma isolada: são produzidos por um emaranhado de forças que atravessam indivíduos, instituições e a sociedade. Os episódios iniciaram-se no começo da década de 2000 e se intensificaram ao longo dos anos conforme cresceram ideologias de ódio — misóginas, racistas, LGBTQIAPN+fóbicas, xenofóbicas, armamentistas — e o extremismo que naturaliza a violência. Essas ideias circulam na dark web, bem como em redes sociais usadas cotidianamente, o que aponta para a necessidade de ações integradas de educação digital e vigilância comunitária.
A pesquisa aponta que a prevenção depende de estratégias que vão além de regras de segurança física: envolve acolhimento às vítimas, suporte aos sobreviventes, dialogo com famílias e comunidades, e um compromisso público com justiça social. Os relatos indicam sinais prévios de crise, a dor persistente de quem viveu as situações e a importância de planos de apoio contínuos pelas autoridades públicas.
Ações do governo e caminhos institucionais
O governo federal, por meio dos ministérios da Justiça e da Educação, tem se empenhado em compreender as dinâmicas das violências manifestadas nas escolas brasileiras. As autoridades criaram canais de monitoramento e investigação para identificar redes de incitação ao ódio e ao extremismo que recrutam jovens no ambiente digital, além de constituírem grupos de trabalho com especialistas para discutir a criação de protocolos de prevenção às violências e de acolhimento às comunidades atingidas. Essas iniciativas buscam consolidar políticas públicas que articulem educação, segurança e assistência social com participação social.
Mesmo diante de um cenário marcado por traumas e falhas, a pesquisa aponta caminhos de esperança. A construção de escolas seguras e democráticas depende de ações contínuas, de formação de professores e de uma participação ativa da comunidade, aliando direitos humanos, ética do cuidado e justiça social. O estudo reforça que a prevenção eficaz exige não apenas respostas a incidentes, mas uma visão proativa de construção social.
Caminhos práticos para a transformação: educação como espaço de cuidado
- Formação ética de docentes e equipes escolares
- Engajamento de famílias e comunidades
- Monitoramento de conteúdos de ódio online
- Políticas de proteção social e saúde mental
Ao compreender a violência como fenômeno multifacetado, é possível redesenhar as escolas para que sejam espaços democráticos, inclusivos e resilientes. O relatório conclui que a educação precisa funcionar como instrumento de justiça social, com a participação de alunos, professores, familiares e comunidade na gestão escolar e na construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos.
*Miriam Abramovay é coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventudes, Educação e Gênero: violências e resistências (Flacso Brasil) e professora visitante no Núcleo de Estudos da Violência da USP