A tumba de Stepan Bandera, figura central e controversa do nacionalismo ucraniano, tornou-se uma espécie de meca incômoda no Waldfriedhof, cemitério do Bosque, em Munique. Admiradores visitam o local e, em alguns momentos, atos de vandalismo também são registrados.
Quem foi Bandera e por que gera controvérsia
Ao liderar o nacionalismo ucraniano, Bandera é visto por seus seguidores como um dos pais da nação, mas também aparece como uma figura fascista de sua época. Participou com a Alemanha nazista, ao mesmo tempo em que foi vítima do regime nazista, que o deportou para Sachsenhausen.
“Lo complicado com este tema é que a tumba atrai tanto nacionalistas como admiradores que não se veem como tal, apenas como fãs de Bandera”
O historiador Grzegorz Rossoliński-Liebe, autor da biografia Stepan Bandera, fascismo, genocídio e culto, observa que muitos não reconhecem Bandera como fascista, enxergando-o como alguém que lutou pela liberdade de seu país.
O culto no Waldfriedhof e seus símbolos
No Waldfriedhof, além de Bandera, repousam personalidades como Michael Ende, autor de A História Sem Fim, e a cineasta nazi Leni Riefenstahl. Hoje, porém, a atenção parece centrada na seção 43, que se tornou um dos principais lugares de culto a Bandera em todo o mundo, especialmente para a Ucrânia que defende sua independência e democracia frente à invasão russa.
O nacionalismo ucraniano é apresentado como uma herança complexa: Bandera é lembrado como um providnyk, equivalente ucraniano ao führer ou caudilho, ao leme da Organização de Nacionalistas Ucranianos (OUN) com um braço armado, o Exército Insurgente Ucraniano (UPA). Membros desses grupos participaram de crimes nazistas e, em episódios como a matança de poloneses na região de Volínia, a reconciliação entre Polônia e Ucrânia fica ainda mais delicada décadas depois.
Vínculos, memória e vandalismo
À sombra da tumba, convivem símbolos de apoio ao movimento Pravi Sektor, ao Cuerpo Azov e até bandeiras da Espanha e da Ucrânia. Em alguns casos, houve atos de vandalismo: um TikToker pró-Rússia foi condenado em fevereiro a nove meses de prisão por defecar na tumba, gravar e difundir o ato.
Durante a visita recente, um carro da polícia passou pelos caminhos do cemitério, que fica sob vigilância. A memória da II Guerra Mundial permanece sensível na Alemanha, aliada da Ucrânia, que cuida com cautela sobre tudo o que envolve esse passado. O culto a Bandera, dizem alguns, expõe as sombras da história da Ucrânia e alimenta a propaganda russa, que o usa para acusar o governo de Kiev de fascismo ou nazismo.
Uma visão global do culto e as perspectivas históricas
“Podría dizer-se que assim é”, responde o historiador Rossoliński-Liebe, ao questionar se o culto é exclusivo de Munique. Existem outros lugares de culto na América do Norte, na Grã-Bretanha e, sobretudo, em cidades e vilarejos da Ucrânia ocidental, onde a OUN e a UPA deixaram marcas com monumentos, ruas batizadas e murais com a figura de Bandera. O historiador ressalta que a veneração iniciou logo após o assassinato em Munique, em 1959.
O assassinato ocorreu em 15 de outubro de 1959, às 13h, quando Bandera acabou de retornar à sua residência na Kreittmayrstraße, número 7. Um agente soviético, Bogdan Stashinsky, esperava com uma pistola que disparava gás letal sem deixar rastro. Bandera tinha 50 anos. Moscou tentou responsabilizar a Alemanha Ocidental, e esse episódio inspirou o escritor Ian Fleming a criar a introdução de A Guerra Fria, O Homem com a Pistola de Ouro.
Outro historiador, Serhii Plokhy, investigou o caso em The Man with the Poison Gun (O homem com a pistola de veneno), concluindo que a história oferece perspectivas sobre o presente e antecipa o futuro: as táticas de assassinato, desinformação e a guerra híbrida deixaram marcas até hoje.