Um estudo brasileiro publicado na Nature Neuroscience revela que a progressão da doença de Alzheimer está intimamente ligada a um estado de inflamação no cérebro. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) descobriram que a interação entre células cerebrais, especificamente a microglia e os astrócitos, forma um "diálogo inflamatório" que pode acelerar o declínio cognitivo. Com apoio do Instituto Serrapilheira e colaboração internacional, a pesquisa conta com dados de mais de 300 participantes e traz novos insights sobre o tratamento da demência.
A beta-amiloide, proteína que acumula no cérebro, só causa danos quando ativa a resposta inflamatória do sistema de defesa cerebral. Essa ativação leva a uma reação em cadeia que resulta na produção de substâncias inflamatórias, criando um ambiente propício para o acúmulo da proteína tau, responsável por danificar as células nervosas. Eduardo Zimmer, líder da pesquisa, explica que é a combinação dessa inflamação com o acúmulo de proteínas que propicia a progressão do Alzheimer.
As descobertas desafiam o entendimento atual sobre a doença, que até então focava apenas na presença das proteínas beta-amiloide e tau. Segundo João Pedro Ferrari-Souza, primeiro autor do estudo, "a interação entre microglia e astrócitos é fundamental para entender a progressão do Alzheimer, ligando a patologia da amiloide ao acúmulo de tau". Isso sugere que o tratamento deve ser direcionado não apenas às proteínas, mas também à modulação da inflamação.
Os pesquisadores utilizaram exames de PET-scan e análises do líquido cefalorraquidiano para identificar o acúmulo de proteínas e a presença de marcadores inflamatórios. A equipe constatou que as alterações cognitivas se manifestam quando há uma inflamação, indicando o papel central desse fenômeno na doença. "A microglia é como o sistema imune do cérebro, mas quando sua ativação não está equilibrada, isso favorece a degeneração", afirma Zimmer.
Com as novas abordagens terapêuticas em vista, a pesquisa aponta para o desenvolvimento de medicamentos que possam regular a comunicação entre microglia e astrócitos. "Estamos diante de um novo alvo terapêutico que pode ajudar a conter a progressão do Alzheimer e preservar a função cognitiva por mais tempo", completa Ferrari-Souza.
O estudo não apenas destaca a importância da pesquisa brasileira na neurociência, mas também enfatiza a necessidade de identificar e tratar precocemente os processos inflamatórios no cérebro. Esta busca pode abrir novas oportunidades de prevenção e aprimorar a compreensão das variações na progressão do Alzheimer entre diferentes indivíduos, oferecendo esperança para futuras intervenções em saúde mental.
"É gratificante ver um estudo feito no Brasil ganhando notoriedade em uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo", afirma Zimmer, destacando a capacidade da ciência brasileira de produzir pesquisas de alto nível.