Em uma ação controversa, a Itália decidiu renovar seu acordo com a Líbia, apesar das denúncias de violação de direitos humanos e do envolvimento da guarda costeira líbia em ataques a embarcações de ONGs. No dia 2 de novembro, o pacto, que foi estabelecido em 2017, foi automaticamente prorrogado por mais três anos, um movimento que gera preocupações quanto à segurança de migrantes e à integridade das operações de resgate no Mediterrâneo.
Recentemente, o Ocean Viking, um barco operado pela ONG SOS Mediterranee, foi atacado em águas internacionais por uma embarcação da guarda costeira líbia, que disparou contra a ação humanitária quando resgatava migrantes. Este não é um caso isolado, uma vez que em setembro uma outra embarcação da ONG Sea Watch também foi alvo de tiros após salvar óbitos no mar. De acordo com o relatório da missão de investigação da ONU, o sistema de gestão de migrantes na Líbia é descrito como um "ciclo abominável de violência".
O governo de Giorgia Meloni tem sido criticado por ignorar os abusos cometidos pelas autoridades líbias, uma vez que a Itália investiu significativamente para que a Líbia pudesse conter as saídas de embarcações com migrantes. Estima-se que o valor já ultrapasse 100 milhões de euros até 2022, sem que se saiba ao certo quanto desse montante teve como destino a proteção dos direitos humanos. Há um entendimento crescente entre especialistas legais de que o acordo até liga a Itália a um contexto de criminalização da ajuda humanitária, uma vez que Libia é um país considerado instável e inseguro.
Os centros de internamento líbios se tornaram conhecidos como locais de tortura, com relatos de violência extrema, incluindo agressões sexuais. As ONGs afirmam que enviar pessoas de volta para a Líbia contraria a Convenção de Genebra, de 1951, que protege aqueles que buscam asilo. Além disso, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que, desde 2016, mais de 169.000 migrantes foram interceptados no mar e forçados a retornar à Líbia, muitas vezes de forma ilegal, sob a supervisão das autoridades italianas.
Francesca De Vittor, professora de Direito Internacional, argumenta que o memorando assinado entre a Itália e a Líbia é uma clara violação do direito internacional. Mesmo assim, o governo italiano tem mantido sua posição, ressaltando a necessidade de controle da imigração. Com a chegada de 60.810 pessoas por mar até novembro, representando um aumento de 4,7% em relação ao ano anterior, a pressão para manter essas políticas é palpável.
Enquanto isso, iniciativas como deportações para campos de internamento na Albânia têm gerado controvérsia e enfrentado obstáculos legais, enquanto tribunais italianos começam a questionar as ordens de retorno de migrantes à Líbia, o que implica um possível colapso da política atual sob pressão judicial. Recentemente, um tribunal da Itália decidiu que as obrigações de resgate no mar têm primazia sobre normas bilaterais estabelecidas pelo estado.
O escândalo envolvendo Osama Njeem Almasri, acusado de crimes contra a humanidade e posteriormente devolvido à Líbia pelas autoridades italianas, acentua ainda mais a controvérsia, mostrando a fragilidade do sistema de justiça em relação aos direitos dos migrantes. Perante pressões internas e externas, ONGs estão se mobilizando em resposta ao acordo, comprometendo-se a desobedecer ordens que considerem ilegítimas e criar uma "massa crítica organizada" para enfrentar essas diretrizes.
A um ano de um acordo que levanta mais questões do que respostas, o futuro da política de imigração da Itália e a relação com a Líbia se mostram cada vez mais problemáticos. Com uma situação humanitária cada vez mais precária e acordos que parecem priorizar a contenção em detrimento dos direitos humanos, as vozes que clamam por mudança se tornam mais urgentes.